As startups de educação enfrentam grandes desafios
Por Ivan Seidel, especialista em robótica,
edtechs e tecnologia para a educação cofundador e CPO (Chief Product Officer)
da Layers Education
Um dos mais memoráveis
slogans da publicidade brasileira surgiu em uma campanha da Mastercard, no ano
2000, que dizia exatamente o seguinte: “Existem coisas que o dinheiro não
compra. Para todas as outras existe Mastercard”. A essência da campanha
transmitia, na minha interpretação, uma relevante mensagem subliminar: a de que
ter dinheiro é importante para uma certa estabilidade, conforto e qualidade de
vida, mas que a experiência de viver coisas simples como um banho de chuva,
observar o pôr do sol, mergulhar em uma praia inexplorada e tirar a gargalhada
de uma criança é algo que não se paga com débito, crédito ou PIX.
Resgatei essa antiga
peça publicitária para fazer a seguinte analogia: existem coisas que o varejo
físico faz por você, mas para todas as outras existe o digital. Não se trata de
uma suposição. É uma afirmação. Desde 2017, quando participei da fundação da
Layers Education (então chamada de Tenda Digital), tenho acompanhado de perto
as dores do setor do ensino básico privado no país. E nessa observação consegui
identificar alguns dos maiores desafios enfrentados ao longo dos anos pelas
startups de educação – conhecidas também como edtechs.
Para uma breve
reflexão, vou aqui destacar alguns dos maiores desafios das startups do setor
de educação básica. Um deles, sem dúvida, é como promover o crescimento da
empresa dentro de um mercado altamente concorrido, pulverizado e, muitas vezes,
aprisionado a antigas cartilhas de gestão. Explico. Como o Brasil é um país
muito vasto, de dimensões continentais, e as relações comerciais ainda estão
muito associadas ao olho no olho, ao aperto de mão, ao cafezinho na mesa de
negociação, a expansão das empresas digitais ainda enfrenta certa resistência
Brasil adentro. O custo de operação presencial é, em muitos casos, um entrave
ao crescimento das empresas digitais.
Muitas escolas, por
medo ou insegurança daquele supostamente desconhecido, perde a oportunidade de
expandir os horizontes de sua gestão. Como se hoje pedir comida pelo iFood,
chamar um “táxi” do Uber, pagar conta pelo app do Nubank ou encontrar um
“companheire” pelo Tinder não fossem algo normal e corriqueiro. Sem que muitos
se dessem conta, o relacionamento digital assumiu a função do relacionamento
físico, sem prejuízo ao nível e qualidade do serviço. Pelo contrário, melhorou
muito.
Então, o modelo de venda
que demanda o contato presencial é muito caro de se manter e acaba sendo um
custo impeditivo para a atração de novos clientes, o chamado Custo de Aquisição
de Cliente (CAC). Como as edtechs nascem, em geral, em um mercado em que o CAC
é muito alto, isso diminui o apetite dos investidores e dos fundos de ventures
capital. Porque realmente um CAC muito elevado significa que seu produto é mais
difícil de se posicionar num lugar de destaque no mercado. Aos olhos dos
investidores, para um negócio merecer um aporte, o Lifetime Value, ou o quanto
aquele cliente deixa para a empresa ao longo dos anos, precisa superar muito o
valor do CAC. E, nem sempre, essa métrica de avaliação está à altura do
potencial de crescimento e valorização da empresa.
Por esta razão, cito
mais um desafio para as edtechs. Atualmente, é muito difícil de se obter
investimento que não seja das próprias verticais de ensino na área de educação.
Ainda é muito pequeno o número de startups investidas por fundos de
investimento internacionais, sem ser investidores-anjo ou por empresas do
próprio setor. Então, as verticais de ensino atuam nesse meio de forma a tentar
fazer aquisições de empresas e aumentar o portifólio delas. Isso, por outro
lado, traz alguns malefícios no longo prazo. Quando uma startup é vendida, seu
brilho tende a se ofuscar exatamente porque passou a integrar um grupo do mesmo
ramo de atuação, mas com porte muito maior. Sem um cuidado com a empresa
adquirida, isso pode não ser muito saudável sob o prisma de desenvolvimento de
novos produtos. Não se trata de uma crítica às verticais de ensino. De forma
alguma. Mas é preciso tentar ao máximo preservar o DNA da startup que a tornou
valiosa e atraente aos olhos dos investidores.
Outro ponto de atenção
e desafio para as edtechs é a internacionalização. Essas startups voltadas à
conteúdo, com produção de texto e vídeo, normalmente são startups que poderão
ficar limitadas ao mercado brasileiro, exatamente pelo alto custo de produção
de conteúdo em mercados internacionais e idioma estrangeiro. Startups que são
baseadas em tecnologia, e não muito em conteúdo, tem mais facilidade para fazer
expansão. Entretanto, é muito difícil executar uma expansão internacional sem
antes ter conseguido consolidar sua atuação dentro do território nacional. Ou
seja, internacionalizar sem ter uma nacionalização bem resolvida pode se tornar
um problema no futuro.
Somos capazes de construir coisas incríveis, mas elas não podem ficar guardadas empoeirando no armário, e isso é fácil de acontecer. Sonho em chegar no futuro, com barreiras menores de mercado e negócios para que toda criatividade e empenho possam ser cada vez mais canalizados na construção de produtos que resolvam problemas da educação de maneira brilhante.
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