Professor de BH diz ter sido demitido por usar linguagem neutra em site
Advogado entende que o caso viola Constituição,
CLT e pode configurar crime de homofobia
O professor de artes William Quintal
procurou a Delegacia Especializada em Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTfobia e
Intolerâncias Correlatas de Belo Horizonte para denunciar ter sido vítima de
uma demissão discriminatória por causa do uso da linguagem neutra em seu site
pessoal. Em um vídeo de 24 segundos, Quintal recepciona os internautas com a
expressão “bem-vindes ao site Pulo do Sapo”. Foi o suficiente para um grupo de
pais reclamar do professor junto à escola. O caso veio à tona em uma reportagem
especial feita pelo Podcast do jornalista Ricardo Mello.
Em entrevista exclusiva ao canal, o
professor contou que tinha acabado de ser contratado e ainda estava na fase de
experiência, quando foi procurado pela coordenação do colégio católico. “A escola me enviou cópia da mensagem de
uma mãe reclamando da linguagem que usei no site. Em sala de aula, não uso
gírias, nem pronomes neutros”, diz.
O
professor de Artes William Quintal
No texto do e-mail enviado ao professor,
a escola usa o termo "versão contemporânea de caça às bruxas" para se
referir à reclamação dos pais. “Duas
mães me procuraram para me alertar e narrar o que estava sendo dito no grupo de
pais do WhatsApp. Uma delas me disse que eu estava sendo chamado de seguidor de
Marielle só porque tinha uma pintura da vereadora no site”,
narra Quintal.
O Sindicato
dos Professores do Estado de Minas Gerais acompanha o caso e
afirmou, em nota enviada ao Podcast do Ricardo Mello, que entende que "a postura da escola foi
conservadora, excludente, não condizente com a proposta de uma escola que se
diz cristã”. O comunicado afirma, ainda, que o “professor foi
penalizado, julgado e demitido não por sua posição em sala de aula. Foi demitido
por manter um site, sua vida privada, que tem na sua essência, o acolhimento à
diversidade e respeito aos direitos humanos”.
O advogado
especialista em Compliance André Costa diz que, após análise
das mensagens recebidas pelo professor, há claras violações às leis
brasileiras. “A
Constituição Federal garante a liberdade de expressão, desde que não seja um
ato criminoso ou uma apologia ao crime. Essa é a primeira violação”,
diz.
Segundo Costa, caso a Justiça entenda que a questão da linguagem neutra foi determinante para a demissão, fica configurado o crime de homofobia. “Quando a gente tem a questão do gênero como uma determinante para a pessoa ter um prejuízo qualquer, nós vamos chegar muito próximo e de maneira muito perigosa do crime de homofobia. Desde 2019, o STF decidiu que, para causas de homofobia e transfobia, vamos usar a Lei 7716, que versa sobre crimes de preconceito de raça ou de cor”, afirma.
O advogado especialista em Compliance André Costa
O advogado explica, ainda, que por causa
do prejuízo provocado ao professor, pode ser acionado Código Civil e a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “O artigo 927 do Código Civil diz que
aquele que causar prejuízo a outrem é obrigado a repará-lo. Para finalizar, o
artigo 483 da CLT dá ao empregado o direito a uma indenização quando for
tratado de maneira contrária aos bons costumes pela empresa”, acrescenta.
Caça às bruxas
O doutor em Educação pela Unicamp, Ronaldo Alexandrino, afirma que há um
ambiente de terror em sala de aula por conta da interferência dos pais no
conteúdo trabalhado pelos docentes. “Há relatos de professores que acabam
selecionando quais conteúdos seriam menos danosos, não para os estudantes, mas
para si mesmos”, diz.
Outro lado
Em nota, a escola afirma que, por questões contratuais, não expõe informações
sobre professores e ex-professores. Diz ainda que, segundo a Consolidação das
Leis Trabalhistas, o colaborador pode ter seu contrato de experiência
rescindido antes do fim do prazo.
Clique aqui para assistir à reportagem e entrevistas na
íntegra
Cópia de reclamação enviada à escola |
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