A transação tributária proposta pelo devedor e a ilegal limitação de valores para adesão
Os mecanismos alternativos de soluções de controvérsias tributárias tiveram papel importante nesses últimos dois anos, principalmente por conta da pandemia que enfrentamos ocasionando sensíveis impactos financeiros nas empresas que do dia para a noite se tornaram devedores perante o fisco. Tributos, que antes eram pagos em dia, ficaram em segundo plano e viraram inscrições em dívida ativa e execuções fiscais, acumulando juros, multas e encargos legais.
Sabemos que o passivo
tributário total em litígio é de mais de 1,5 trilhão de reais, considerando
União, Estados e Municípios, sendo que o índice de recuperação de tributos por
meio das execuções fiscais não chega a 2%. A progredir esse quadro, os
contribuintes em pouco tempo não conseguirão garantir mais os créditos em
execução para poderem se defender.
A transação tributária
junto à Procuradoria da Fazenda Nacional é um dos meios alternativos de solução
de litígios fiscais e estão à disposição do contribuinte que busca uma
alternativa de regularizar sua situação perante o fisco, mas ao mesmo tempo
obter algum incentivo para a quitação do passivo.
Existem as seguintes
modalidades: i) Negócio jurídico processual, ii) Arbitragem tributária e iii)
Transação tributária.
Trataremos,
especificamente sobre a transação tributária, que nos termos da Lei nº
13.988/2020 veiculou três modalidades de transação no âmbito federal: i)
transação por proposta individual ou por adesão, na cobrança de créditos
inscritos em dívida ativa da União, de suas Autarquias e Fundações Públicas;
ii) transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada
controvérsia jurídica e iii) transação por adesão no contencioso tributário de
pequeno valor, aplicável a débitos que não superem 60 salários mínimos e que
tenha como sujeito passivo pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno
porte.
Falaremos mais
especificamente sobre uma modalidade que é a transação individual proposta pelo
devedor, que também está regulamentada pela Portaria nº PGFN 9.917/2020, art.
4º, inciso III, e pode ser proposta pelo contribuinte, desde que os débitos
negociados superem R$
15 milhões.
Neste aspecto
ressaltamos que a referida modalidade (transação individual proposta pelo
devedor) poderia ser muita mais utilizada não fosse a limitação imposta dos
valores acima de 15 milhões de reais, porém muitos contribuintes, que buscam
essa forma de transação, estão questionando em juízo esse patamar e já existem
precedentes judiciais determinando que transações com valores abaixo de 15
milhões podem ser realizadas na modalidade individual proposta pelo devedor,
trataremos mais adiante esse ponto.
Portanto, importante
revisar a “conta corrente fiscal” da empresa e verificar se não seria o caso de
buscar essa alternativa de regularização. É que, nos termos da referida
portaria, a Transação Individual das pessoas jurídicas pode: i) provocar a
redução de até 50% do valor total dos débitos a serem transacionados; ii)
viabilizar o pagamento do débito em até 84 meses.
Quanto à questão da
limitação do valor para fins de viabilidade da transação individual proposta
pelo devedor, a Portaria PGFN 9.917/2020, introduziu, à revelia da lei, um teto
limitador do valor inscrito para que as empresas possam utilizar esse
importante instrumento de solução do passivo tributário, na medida em que
permitiu a adesão de empresas cujos débitos negociados superem R$ 15 milhões de
reais.
Todavia, a Lei nº
13.988/20, que trata da transação tributária, em sua exposição de motivos é
clara ao buscar a maior amplitude possível de abrangência do instituto
(transação) com a finalidade de facilitar o recolhimento dos tributos de todos
os contribuintes em situação de passivo tributário. A transação individual
proposta pelo devedor, aliás, muito mais do que as outras modalidades que possuem
prazos determinados, deveria ser instrumento essencial de busca de alavancagem
fiscal e de continuidade da atividade empresarial mesmo para aqueles devedores
que possuem passivo inferior à 15 milhões de reais.
Por isso, a alternativa
para essas empresas seria o judiciário, pois já surgem algumas decisões
autorizando o contribuinte, com débitos inferiores ao limite infralegal, a
fazer uso desse importante instrumento e determinar que a PGFN aceite a análise
da proposta individual, sob o fundamento de que a portaria da PGFN, quando
limita o valor para a transação individual, extrapola a Lei do Contribuinte
Legal (Lei 13.988/2020), vez que a indigitada lei não fixa um valor.
Entendemos que qualquer
limitação de direitos trazida por norma infralegal se mostra atentatória aos
princípios da isonomia tributária, da legalidade e da capacidade contributiva,
na medida em que oferece condição especial (discrímen) que não se coaduna com
os objetivos da lei que a fundamenta, bem com pode causar concorrência desleal entre
contribuintes num mesmo setor econômico.
A limitação do teto do
valor para adesão à transação individual proposta pelo devedor, também
contraria o princípio da eficiência, voltado ao Estado e estampado no artigo 37
da Constituição Federal. Tal princípio, do ponto de vista jurídico, não é
somente uma obrigação de meio, mas também de resultado, de forma a que o Estado
não só empregue os meios adequados, como também logre alcançar os fins
pretendidos pela Constituição e pela lei.
Ao negar acesso à tais
contribuintes, a PGFN não se mostra eficiente, não aplicando a finalidade da
Lei, deixando o devedor à mercê do processo executivo fiscal e o fisco sem
receber num prazo mais curto.
Em verdade, a lei
confere ao contribuinte a possibilidade de uma proposta que, se aceita, poderia
abreviar todo o iter
processual da execução fiscal, viabilizando arrecadação mais célere
e eficiente para o erário, abrangendo um universo muito maior de empresas que
teriam viabilidade fiscal e contábil para formular uma adesão individual pelo
devedor, por isso, enquanto a norma infralegal não for alterada, caberá às
empresas se socorrerem do judiciário com a finalidade de viabilizar a sua
proposta de transação mesmo que tenham débitos abaixo de 15 milhões de reais e,
com isso, transformá-la num importante instrumento de continuidade da atividade
empresarial.
*Caio Cesar Braga Ruotolo é advogado e sócio do escritório Luiz Silveira Sociedade de Advogados. Consultor Jurídico da ABIMAQ. Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo. Membro do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomércio em São Paulo. Foi Coordenador Jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Foi membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/SP (2017/2018) e da Comissão de Assuntos Fiscais da CNI (2014-2020). Pós Graduado com Especialização em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional e em Gestão de Recursos Humanos. Experiência consultiva e contenciosa nas áreas de direito tributário, empresarial, ambiental, aeronáutico e crimes contra a ordem tributária.
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