Cobrança de ICMS sobre tarifas na geração distribuída de energia pode ser questionada a partir de jurisprudência do STJ
*por Carolina Romanini Miguel
Em 2017, o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) realizou um julgamento a respeito da legalidade da inclusão das Tarifas
de Uso dos Sistemas de Transmissão (TUST”) e Distribuição (“TUSD”) de energia
elétrica, na base de cálculo do ICMS. Com essa medida, houve a suspensão de
todos os processos judiciais em andamento sobre o tema em todo o território nacional,
já que a decisão é de repercussão geral e deverá ser seguida pelos juízes de
primeira instância e Tribunais de Justiça, garantindo segurança jurídica e
igualdade.
Até então, embora existissem poucas
decisões contrárias ao interesse dos contribuintes, a Corte possuía “entendimento consolidado” de
que as Tarifas não deveriam integrar a base de cálculo do ICMS sobre o consumo
de energia elétrica. O argumento era de que as tarifas, por serem cobradas na
fase anterior ao consumo, não poderiam compor o valor da operação de circulação
da mercadoria sujeita ao imposto.
Enquanto os consumidores de energia
elétrica aguardam a decisão final do STJ sobre o tema, nova polêmica acerca da
cobrança do TUST e TUSD foi trazida para debate: a incidência do ICMS sobre estas
tarifas na hipótese de geração distribuída.
De acordo com a Resolução ANEEL nº
482/2012, a geração distribuída de energia elétrica pressupõe um sistema de
compensação no qual há um empréstimo
gratuito dessa mercadoria pelo consumidor à distribuidora local,
com posterior compensação com o consumo de energia elétrica ativa. Portanto,
não se pode falar em venda de energia pela concessionária, exceto com relação à
quantidade excedente àquela emprestada pelo consumidor.
Com o aumento da tarifa de energia
elétrica e maior acessibilidade aos equipamentos de geração solar, muitos
consumidores passaram a gerar sua própria energia, o que acarretou a
necessidade de maior clareza para a regulamentação do setor. Nesse contexto,
foi editada em janeiro a Lei
nº 14.300/2022, que institui o marco legal da microgeração e minigeração
distribuída, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) e o Programa
de Energia Renovável Social (PERS).
De acordo com a nova lei, as unidades
consumidoras deverão ser faturadas pela incidência, sobre a energia elétrica
ativa consumida da rede de distribuição e sobre o uso ou sobre a demanda, de
todas as componentes tarifárias não associadas ao custo da energia. Porém, as
micro e minigeradoras já existentes passarão a pagar a TUSD somente a partir de
2045, sobre a diferença positiva entre o valor da energia consumida e o valor
da energia gerada e injetada na rede de distribuição. Já os consumidores que
aderirem ao sistema de geração distribuída, instalando projetos a partir de
fevereiro de 2023, passarão a receber uma cobrança da TUSD, relativamente aos
ativos do serviço de distribuição, depreciação dos equipamentos da rede e do
custo da operação e manutenção do serviço prestado pela concessionária.
Se considerarmos que a minigeração e
microgeração distribuída pressupõem um empréstimo de energia elétrica pelo
consumidor final, em princípio seria possível concluir que a cobrança da TUSD e
de quaisquer outras componentes tarifárias não associadas ao custo da energia
seriam irrelevantes para fins de composição da base de cálculo do ICMS. Isso
porque esse imposto incide apenas sobre operações comerciais, o que não ocorre
nesse caso.
Porém, de acordo com o Convênio
ICMS 16/2015, as Unidades da Federação foram autorizadas a conceder isenção
de ICMS incidente sobre a energia elétrica fornecida pela distribuidora à
unidade consumidora, na quantidade correspondente à soma da energia elétrica
injetada na rede de distribuição pela mesma unidade consumidora, nos termos do SCEE, estabelecido
originalmente pela Resolução ANEEL nº 482/2012.
Segundo determinado na cláusula primeira
deste Convênio, a isenção do ICMS “não
se aplica ao custo de disponibilidade, à energia reativa, à demanda de potência,
aos encargos de conexão ou uso do sistema de distribuição, e a quaisquer outros
valores cobrados pela distribuidora”. Significa, portanto, que as
Unidades da Federação pretendem exigir o ICMS sobre a TUSD e outros encargos
pagos pelos consumidores na microgeração e minigeração distribuída.
Essa pretensão das Unidades da Federação
é um indicativo de que não apenas os consumidores que adquirem energia da
distribuidora, mas também aqueles que aderiram à microgeração e minigeração
distribuída devem atentar para a decisão a ser proferida pelo STJ acerca da
inclusão das tarifas como TUST e TUSD na base de cálculo do ICMS. O
entendimento da Corte acerca deste tema será aplicável tanto aos consumidores
comuns quanto àqueles que possuem geração própria.
Contudo, no caso da geração distribuída
disciplinada na Lei nº 14.300/2022, as concessionárias de serviço público de
distribuição de energia oferecem aos geradores a conexão a sua rede e são
remuneradas por isso. Sendo assim, não haveria que se falar em compra e venda
de energia elétrica, fato gerador do ICMS. Considerando que o posicionamento
defendido pelos Fiscos Estaduais é no sentido de que a TUST e TUSD deveriam ser
incluídas na base de cálculo do ICMS por comporem o custo da energia elétrica
fornecida, se esse produto não estiver sujeito à incidência do imposto por
inexistir operação comercial, as referidas tarifas também não poderiam estar.
Em síntese, apesar das Unidades da
Federação pretenderem exigir o ICMS sobre a TUST e TUSD, fato é que a decisão a
ser proferida em breve pelo STJ produzirá efeitos também aos autogeradores na
microgeração e minigeração distribuída. Nessa hipótese, há ainda mais razão
para o imposto não ser cobrado sobre essas tarifas, uma vez que não se verifica
compra e venda, mas empréstimo de energia elétrica que é devolvida ao
consumidor pela concessionária.
*Carolina Romanini Miguel é sócia da
área tributária do Cescon Barrieu Advogados
Sobre o Cescon Barrieu
O Cescon Barrieu é um dos principais escritórios de advocacia do Brasil, trabalhando de forma integrada em cinco escritórios no Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Brasília) e, também, em Toronto, Canadá. Seus advogados destacam-se pelo comprometimento com a defesa dos interesses de seus clientes e pela atuação em operações altamente sofisticadas e muitas vezes inéditas no mercado. O objetivo do escritório é ser sempre a primeira opção de seus clientes para suas questões jurídicas mais complexas e assuntos mais estratégicos. www.cesconbarrieu.com.br
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