DIA DA EDUCACÃO (28/4) | As recomendações do Fórum Econômico Mundial para a recuperação do aprendizado pós-pandemia
O Fórum Econômico Mundial, em recente relatório O estado da crise global de educação: um caminho para a recuperação (The State of the Global Education Crisis: A Path to Recovery) – produzido em parceria com Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e Banco Mundial –, fez soar um alarme: esta geração de estudantes impactados pelo fechamento das escolas durante a pandemia corre o risco de perder US$ 17 trilhões em ganhos ao longo da vida, ou seja, 14% do Produto Interno Bruto (PIB) global. Sabemos que a saúde (física e mental) das crianças e dos adolescentes foi seriamente prejudicada nos últimos anos, mas, quando transformamos esse impacto em uma estimativa monetária, temos de modo um pouco mais concreto o real comprometimento do futuro causado pelas graves perdas de aprendizagem.
Em uma visão propositiva, escrevo este
artigo para disseminar as recomendações que constam no relatório do Fórum
Econômico Mundial, especialmente as voltadas para a criação de Programas de
Recuperação da Aprendizagem. No documento, os especialistas defendem três
linhas de ação cruciais: consolidação do currículo, extensão do tempo de
instrução e melhoria da eficiência da aprendizagem.
Em consolidação
do currículo, a recomendação é que os professores sejam
auxiliados a priorizar as habilidades essenciais que os alunos perderam ou
deixaram de adquirir no período de aulas a distância. Os objetivos de
aprendizagem precisam ser reconsiderados, pois houve um aumento da heterogeneidade
dentro da sala de aula. Essa medida garantirá que o currículo esteja alinhado
aos níveis de aprendizado dos alunos. Como exemplo, os especialistas citam a
Tanzânia, que consolidou o currículo para a primeira e segunda séries em 2015,
reduzindo o número de disciplinas ensinadas e aumentando o tempo para garantir
a aquisição de conhecimentos básicos de matemática e alfabetização.
Em termos práticos, duas ações são
importantes para possibilitar a reorganização do currículo. A primeira é ter
uma visibilidade do nível de desenvolvimento da turma. Para isso, deve-se
considerar a realização de uma avaliação externa e diagnóstica, que deve ser
desconectada do currículo da escola, ou seja, deve avaliar de acordo com as
proficiências e os conhecimentos esperados para cada etapa da educação básica
prevista nas matrizes do Saeb e do Enem, por exemplo. Esse distanciamento se
faz necessário para a escola ter a real noção de como está a aprendizagem de
seus estudantes, conforme está prevista nos documentos normativos da educação
brasileira e não de acordo com o planejamento da instituição. A segunda ação,
reflexiva e crítica, envolve elencar as habilidades essenciais para cada série
e segmento escolar. Neste momento, querer contemplar tudo pode ser prejudicial,
pois passar conteúdo de modo superficial acarretará prejuízos ainda maiores no
médio e longo prazo. Os insumos dessas duas ações permitirão que a escola
organize seu currículo para melhor atender seus (suas) estudantes.
No item extensão do tempo de instrução, o foco é
ampliar o dia letivo, modificando o calendário acadêmico para prolongar esse
tempo. No México, o Ministério de Educação Pública do país anunciou a
prorrogação planejada para ajudar nesse processo de recuperação; em Madagascar,
o governo ampliou um programa existente de dois meses de recuperação de verão
para que estudantes possam se reintegrar à escola depois de deixarem o sistema.
Essa é uma recomendação também válida
para nossa realidade. Temos exemplos no Brasil de programas voltados para estudantes
que concluíram o Ensino Médio, mas querem ter formações continuadas de
recuperação de aprendizagens. No nosso contexto, temos um desafio ainda maior,
que é equilibrar essa orientação com as novas obrigações que a BNCC e os
itinerários formativos do Ensino Médio trouxeram. A carga horária do segmento
já deve ser alterada, e a determinação do documento normativo é clara: os
itinerários devem ser momentos de aprofundamento no desenvolvimento de
competências e habilidades da formação geral básica e não uma oportunidade para
reforçar a preparação tradicional para vestibulares. A ampliação do tempo de
instrução é interessante para o Ensino Médio, em especial para a terceira
série, mas deve ser ponderada para os demais segmentos de ensino. Não vamos
contornar os impactos em um curto espaço de tempo; e sobrecarregar os
estudantes pode ter um efeito perverso, pois podemos aumentar o estresse, no
momento em que precisam de muita acolhida socioemocional.
Em melhoria
da eficiência da aprendizagem, o Fórum Econômico Mundial aponta
a importância de apoiar os professores na aplicação de pedagogia estruturada e
instrução direcionada. No Quênia, essa intervenção estruturada fez uso de guias
para professores com planos de aula; a instrução direcionada – ou alinhamento da
instrução ao nível de aprendizado dos estudantes – foi implementada, também, na
Costa do Marfim. O relatório igualmente enfatiza a necessidade de termos
financiamento adequado para investir em treinamento e em todo o processo
imediato de aprendizagem. Essa é uma medida essencial, se os países quiserem
evitar os danos de longo prazo à produtividade e inclusão dos cidadãos em
formação.
Mais uma vez pensando na realidade
brasileira, o desafio de melhorar a eficiência da aprendizagem é uma constante
– basta olhar o distanciamento de nossos resultados no Pisa e em outras
avaliações da educação básica, por exemplo. Quando pensamos em eficiência, logo
vem à mente a retenção dos desperdícios em excedentes desnecessários. No caso
do desenvolvimento educacional, podemos interpretar a eficiência da
aprendizagem como aquele processo que realmente constrói o conhecimento do
estudante; para isso, as escolas precisam passar por uma mudança de cultura e
de mentalidade: o conteúdo pelo conteúdo do formato tradicional não é mais
suficiente e não se conecta à realidade dos alunos – inclusive cito a BNCC mais
uma vez, que traz uma nova perspectiva, a de uma formação integral dos
estudantes alicerçada no desenvolvimento de habilidades e competências e não em
decorar processos mecânicos que serão usados apenas nos dias dos vestibulares.
E, podemos ir além. Por eficiência
também é possível interpretar a otimização do tempo do professor, que muitas
vezes é repleto de tarefas burocráticas. Com essas horas poupadas, o professor
tem condições de realmente refletir sobre suas práticas e encontrar
alternativas mais assertivas para promover a compreensão, a construção do
conhecimento e o desenvolvimento das habilidades e competências necessárias.
Para finalizar, ressalto uma conclusão
bastante pertinente do relatório: podemos usar o momento de recuperação da
aprendizagem como trampolim para uma trajetória de aceleração da educação.
Costumo dizer que a escola está sentindo o peso do tempo; que ela precisa se
transformar para atender às demandas educacionais do século XXI; e esse é o
momento para seguir nesta direção. O contexto da pandemia só reforçou a
necessidade de ações que já vinham sendo discutidas há anos para a melhoria do
processo educativo. Segundo os especialistas ouvidos, acelerar a recuperação da
aprendizagem traz benefícios para além do curto prazo: pode dar às crianças as
bases necessárias para uma vida inteira pontuada pelo aprendizado, garantindo a
formação integral preconizada pela BNCC; pode ajudar os países a aumentar a própria
eficiência, a equidade e a resiliência da escolarização. E isso pode ser
alcançado se os países aproveitarem os investimentos feitos e as lições
aprendidas durante a crise. E, aqui, acrescento que a conexão de pais e
responsáveis com a escola – que tivemos durante a pandemia, com as salas de
aula migrando para dentro das casas – é essencial neste processo de
reconstrução.
O Fórum Econômico Mundial indica seis
medidas importantes para essa reconstrução.
#1 | Avaliar o aprendizado do aluno para que
a instrução possa ser direcionada aos níveis de aprendizado e às necessidades
específicas dos alunos.
# 2 | Investir em oportunidades de
aprendizagem digital para todos os alunos, garantindo que a tecnologia seja
adequada ao propósito e focada no aprimoramento das interações humanas.
Acrescento, aqui, a visão de tecnologia com intencionalidade pedagógica.
# 3 | Reforçar o apoio que potencializa o
papel dos pais, das famílias e comunidades na aprendizagem das crianças. Não
podemos perder a conexão que conquistamos durante a pandemia!
# 4 | Garantir que os professores sejam
apoiados e tenham acesso a oportunidades de desenvolvimento profissional
prático e de alta qualidade, guias de ensino e materiais de aprendizagem. Os
educadores são peças-chave da reconstrução!
# 5 | Aumentar a participação da educação na
alocação do orçamento nacional de pacotes de estímulo e vinculá-la aos
investimentos mencionados acima que podem acelerar o aprendizado.
# 6 | Investir na construção de evidências –
especialmente em pesquisas de implementação –, para entender o que funciona e
como dimensionar isso para o nível do sistema.
Como última recomendação, Fórum
Econômico Mundial, UNICEF, Banco Mundial e UNESCO defendem que é o momento de
mudar a resposta que damos à recuperação do aprendizado diante do impacto da
crise sanitária. Devemos garantir ações e investimentos, aproveitando para
lançarmos novas bases para a construção de sistemas educacionais mais
eficientes, equitativos e resilientes. Essa é uma forma, inclusive, de
prepararmos jovens e crianças para vencerem disrupções futuras.
| Camila Karino é diretora pedagógica da Geekie. Psicóloga, mestre e doutora pela Universidade de Brasília (UnB), estagiou na Universidade de New Brunswick (Canadá), onde estudou “Igualdade, equidade e eficácia do sistema educacional brasileiro”. Entre 2010 e 2014 foi coordenadora-geral de Instrumentos e Medidas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), sendo responsável pelas principais avaliações da educação básica, tal como o Enem. Atualmente, é pesquisadora colaboradora do programa de pós-graduação do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB.
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