A missão "quase" impossível do BCB
*Por Luis Otavio Leal
O desafio do Banco Central do Brasil
(BCB) vai além dos problemas derivados da inflação externa, tendo uma relação
muito forte com a estrutura da economia brasileira, preparada durante décadas
para se resguardar do aumento dos preços e, portanto, estruturada para
perenizar choques temporários. Assim, vamos discutir que condições
possibilitariam ao BCB manter sua promessa de parar de subir os juros ao nível
de 12,75% a.a. na reunião de maio (agendada para o dia 4).
Na franquia cinematográfica “Missão
Impossível”, a um grupo especial do serviço secreto americano, liderado por
Ethan Hunt, são dadas missões consideradas impossíveis que, não sem muito tiro,
bomba e correria, no fim se mostraram factíveis de serem concluídas. Pensando
na missão do nosso BCB, ela pode não ser considerada impossível, a depender do
horizonte que se considere, mas certamente não será fácil. Colocar a meta em
2022 é sim uma “missão impossível”, mas fazê-la convergir em 2023 não seria tão
“impossível” assim, desde que se estivesse disposto a incorrer nos custos de
fazê-lo. Nos filmes, Ethan Hunt e sua equipe estão sempre prontos a ir ao
limite, o que invariavelmente rende boas cenas de ação e grandes bilheterias,
mas será que, se o BCB fizer o mesmo, a audiência vai aplaudir o
resultado?
Para começar a discussão, vamos aos
fatos. Para uma meta de inflação de 3,25% em 2023, as expectativas para o IPCA
no mesmo período, indicaram um número ao redor de 4,00%, e a inflação corrente
está em 11,29% no acumulado em 12 meses. Usando uma regra de Taylor simples
para a economia brasileira, a conclusão é que os juros deveriam chegar a 15,50%
a.a. para que houvesse convergência da inflação para a meta em 2023. Já
partindo dos modelos de pequeno porte do BCB, estes teriam que ser elevados até
14,75% a.a. O custo adicional em termos de crescimento seria de algo entre 1,00
p.p. e 1,50 p.p., respectivamente, quando comparado com o cenário de juros a
12,75% a.a. Portanto, a primeira pergunta que vale a pena fazer é: será que o
BCB está disposto a incorrer nesse custo?
Uma discussão infindável entre os
economistas é se a melhor estratégia para combater a inflação seria uma
política de juros mais agressiva ou mais suave. Os que advogam a favor do
primeiro caso baseiam-se no “Princípio de Brainard”: em um ambiente incerto, a
decisão ótima de política monetária é ir “tateando no escuro”, ou seja, sem
movimentos abruptos. Já os que defendem movimentos mais bruscos na alta de
juros se baseiam em uma corrente de pensamento que divide a incerteza em dois
grupos. No primeiro, em que o “Princípio de Brainard” se manteria verdadeiro, a
dúvida ficaria sobre qual seria a taxa de juros real neutra de equilíbrio, ou
seja, seria uma questão mais estrutural. Já no segundo, estariam aquelas
incertezas ligadas ao canal de transmissão do hiato do produto para os níveis
inflacionários, tendo, portanto, a ver com a potência da política
monetária.
Outra questão importante a salientar é
que a política monetária atua com defasagens, por isso, apesar de desejável,
não nos parece ser uma condição sine
qua non para a interrupção do processo de alta dos juros que a
inflação acumulada em 12 meses esteja em queda. Entretanto, temos boas razões
para acreditar que ela esteja quando chegarmos à reunião de junho (marcada para
o dia 14), momento no qual o BCB terá que decidir se interrompe ou não o atual
ciclo de aperto monetário.
Pegando o último IPCA divulgado, notamos
que, do 1,62% apurado, 0,75 p.p. (46%) se deveu apenas aos grupos Combustíveis
(0,51 p.p.) e Alimentos in Natura (0,24 p.p.). Olhando o que deve acontecer com
esses grupos daqui para frente, podemos dizer que o pior já passou. No caso dos
combustíveis, a não ser que tenhamos a implementação de um embargo à importação
do petróleo russo por parte da União Europeia (UE), o preço desta commodity deve oscilar entre
USD 100/barril e USD 110/barril, patamar suficiente para que, com o dólar entre
R$ 4,70 e R$ 4,80, não corramos o risco de ver novos aumentos nos preços da
gasolina e do diesel nas próximas semanas. Além disso, essa pressão dos preços
in Natura é totalmente sazonal e vai reverter a partir de maio.
Para ver o porquê, ao pegarmos os
resultados acumulados desse conjunto de produtos nos quatro primeiros meses do
ano desde 2000, notamos que nesses 22 anos, em apenas dois (2006 e 2021) não
tivemos um resultado positivo. Em média, a inflação acumulada desse grupo é de
13,33% no período. Fazendo o mesmo acompanhamento para os quatro meses
subsequentes (a partir de maio), observamos que, também em apenas dois anos,
não tivemos deflação acumulada (2004 e 2012) e que esta foi, em média, de
8,00%. Este ano, a considerar a nossa projeção para abril, teremos o
quadrimestre mais alto desde 2013, quando, não por coincidência, a
apresentadora Ana Maria Braga apareceu em seu programa matutino ostentando um
colar de tomates. Portanto, é bastante provável que este grupo de alimentos
apresente deflação nos próximos meses, o que terá, além do seu efeito direto
sobre o índice geral, um importante efeito colateral positivo.
A conclusão é que os principais impactos
para a inflação de curto prazo já estão bem precificados e que poderemos ter
surpresas positivas até a reunião do COPOM de junho. Obviamente que, com uma
guerra correndo solta na Europa e a incerteza dos impactos da nova rodada de lockdowns na China sobre as
cadeias produtivas, tudo pode mudar de uma hora para outra e o BCB seja
impelido a avançar mais no aperto monetário. Entretanto, acreditamos que com a
perspectiva mais favorável para a inflação de curto prazo e com a perspectiva
de, finalmente, o BC americano remar para o mesmo lado, os juros por aqui
poderão ficar em 12,75% a.a. até o final de 2022, começando a ser reduzidos no
2º trimestre do ano que vem, fechando 2023 ao redor de 9,75% a.a.. Mas não há
dúvidas de que, se essas projeções forem revisadas, o serão para cima.
*Luis Otavio Leal é economista-chefe do Banco Alfa
Nenhum comentário