De susto em susto
É preciso desenvolver políticas que
possibilitem novo ciclo de industrialização para país retomar crescimento
A súbita escassez dos
principais fertilizantes utilizados na agricultura, em consequência da guerra
na Ucrânia, pegou o agronegócio brasileiro de surpresa, com estoques inferiores
a 3 meses. Por isso, enfrenta enormes dificuldades para substituir,
rapidamente, seus fornecedores tradicionais, ambos envolvidos no conflito.
A falta destes produtos
se soma a uma longa história de desabastecimentos, dos quais a opinião pública
somente tomou conhecimento em 2020, durante a pandemia de covid-19. Naquele
momento, o país precisou correr atrás de quem pudesse nos fornecer, no mercado
mundial, desde máscaras cirúrgicas até respiradores, sem falar de equipamentos
de proteção pessoal e de medicamentos.
O estrago da pandemia
nas cadeias produtivas globais e na logística mundial, entretanto, não se
limitou a equipamentos médicos ou produtos farmacêuticos. Também se espraiou
para insumos básicos, produtos siderúrgicos e, principalmente, semicondutores,
afetando a produção desde eletrodomésticos até automóveis, cujos setores ainda
sofrem certa escassez, 3 anos depois.
Quando parecia que as
coisas estavam voltando ao normal, a invasão russa à Ucrânia e, especialmente,
as sanções econômicas impostas à Rússia pela maioria dos países ocidentais,
interromperam o importante fluxo de materiais exportados pelos países da área
em conflito. Esses fatores resultaram em novos gargalos de abastecimento
abalando a oferta de combustíveis, fertilizantes, alimentos e alguns metais.
O Brasil foi
particularmente afetado em suas importações de trigo e fertilizantes, com
riscos destes últimos afetarem a produtividade da próxima safra. A reação
brasileira, tal como em 2020, foi improvisar. No início da pandemia, por
exemplo, o governo montou grupos de trabalho para aumentar a produção de
equipamentos médicos, até com um certo sucesso, mas o esforço não teve
continuidade.
Na realidade, desde a
década passada, falhas ocorridas nas cadeias globais de fornecimento, causadas
por fenômenos naturais, como terremotos e tsunamis, levaram a um certo
questionamento da globalização. O fato foi agravado com o nascimento de uma
crescente animosidade entre os Estados Unidos e a China, no fim do governo
Obama, e principalmente, no governo Trump.
Assim, como ficou
evidente na pandemia, os riscos decorrentes da excessiva dependência de
produtos importados levaram a grande maioria dos países desenvolvidos a rever
seus modelos econômicos. O objetivo era buscar, além das clássicas
autossuficiências alimentar, energética e militar, também uma autossuficiência
produtiva e tecnológica.
A maioria dos países
desenvolvidos passou a implementar políticas públicas de apoio e de
fortalecimento de sua indústria, coordenando as iniciativas privadas,
financiando e subsidiando fortemente P&D e inovação, protegendo suas
empresas estratégicas e incentivando o retorno das empresas nacionais que
moveram sua produção ao exterior.
O Brasil, na contramão
do que está ocorrendo no mundo, nada fez, até agora, para reduzir nossa
dependência externa, nem para interromper o processo de desindustrialização.
Processo que reduziu a participação da indústria de transformação no PIB de
25%, na década de 80 para 11%, em 2021, destruindo importantes elos de nossas
cadeias produtivas, num processo que continua.
A despeito do que está
ocorrendo no mundo, porém, nada se percebe no Brasil. Desde 2016, o país
insiste na redução das funções do Estado, deixando ao mercado a
responsabilidade de resolver não somente nossos problemas econômicos, mas
também os sociais, algo que não funcionou em nenhum país, nas últimas 4
décadas.
É fundamental,
portanto, que a sociedade brasileira entenda que a retomada do crescimento, a
criação de empregos, a redução de desigualdades e a melhoria da qualidade de
vida da população só poderá ocorrer com políticas ativas de desenvolvimento que
contemplem, simultaneamente, investimentos públicos e privados em
infraestrutura e forte apoio a um novo ciclo de industrialização.
Isto significa
recuperar a capacidade de planejamento do Estado, perdida ao longo das últimas
décadas. O suporte público à educação básica de qualidade e à formação de
recursos humanos qualificados é essencial para o desenvolvimento do país, tanto
quanto o incentivo à ciência, à pesquisa, à tecnologia e à inovação.
Aprendendo com os erros
passados, para não repeti-los, o novo ciclo de industrialização deverá ter como
objetivo a competitividade da produção brasileira de bens e serviços, com foco
na economia verde e na digitalização para termos uma indústria moderna,
sofisticada e diversificada capaz de criar empregos de qualidade e de se
inserir no comércio mundial de forma competitiva.
O sucesso destas
políticas pressupõe, no mínimo, 3 pontos:
- a manutenção de um quadro
macroeconômico relativamente estável, favorável ao investimento produtivo;
- um ambiente de negócios que
favoreça a produção e que assegure a necessária segurança jurídica, e;
- uma reforma que simplifique o
sistema tributário, baseada em impostos de valor agregado, no consumo com
alíquotas uniformes, que desonere a folha, e que taxe a renda de forma
progressiva.
*João Carlos Marchesan é administrador de empresas, empresário e presidente do Conselho de Administração da ABIMAQ
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