Discursos de pré-candidatos passam longe das soluções para o País
Samuel Hanan*
A apenas seis meses das
eleições, a população brasileira ainda não ouviu dos pré-candidatos à
Presidência da República e ao governo dos estados, alguns em busca da
reeleição, propostas claras sobre plano de governo ou plano de metas
econômicas, sociais, infraestruturais e ambientais. É preocupante, porque não
se concebe a possibilidade de retomada do crescimento do País sem planejamento
e os postulantes aos mais importantes cargos da nação parecem não se importar
com isso.
As propostas até agora
levadas ao conhecimento do eleitor são todas genéricas, superficiais. Estão
muito longe de enfrentar os grandes desafios nacionais. Muito grave diante do
cenário econômico nada animador desenhado para 2023, já prejudicado pela
realidade atual. O crescimento econômico em 2022 será inferior a 0,65%, menor
também que a taxa de crescimento da população brasileira. A inflação anual
passa dos 10%, castigando o bolso dos cidadãos.
O déficit público efetivo
fechará o ano em mais de R$ 700 bilhões e a previsão é de que os juros dos
serviços das dívidas ultrapassem R$ 850 bilhões. A dívida pública bruta chega a
R$ 8 trilhões, correspondendo a inacreditáveis 88 a 91% do Produto Interno
Bruto (PIB). A taxa de juros Selic, atualmente de 12,75%, deve subir para 13,5
ou 14% até o fim de 2022.
Não bastasse tal
quadro, o País ainda convive com corrupção gigantesca, que corresponde
anualmente de 1,35 a 2,35% do PIB (de R$ 130 a R$ 220 bilhões/ano). Além disso,
paga um custo altíssimo com o funcionalismo público: R$ 1,16 trilhão/ano,
apesar de não haver excesso de servidores e de remunerar pessimamente os
professores, os profissionais da saúde e os policiais. Essa despesa corresponde
a 13,4% do PIB, muito mais do que a média dos 37 países membros da OCDE, de
9,8% do PIB com funcionalismo. A diferença corresponde a 2,5 vezes o custo
anual do Sistema Único de Saúde (SUS), comparativo suficiente dar a dimensão do
problema.
A decadência econômica
do Brasil é uma triste realidade e se agrava ao longo do tempo. A taxa média
anual de crescimento do PIB, que foi de 8,06% no final dos anos 1950, com
Juscelino Kubitschek, caiu para 6,39% nas três décadas seguintes, e despencou
para 2,05% no período de 1989 a 2021, com o País já sob nova Constituição. O
crescimento teve pior desempenho ainda nos últimos 11 anos, com média anual de
0,59%, sofrendo nova redução (0,57%) neste quadriênio (2019-2022).
O País vive um declínio
histórico, embora a carga tributária tenha sido aumentada brutalmente:
correspondia a 17,2% do PIB em 1961 e passou para 33,0% em 2021, crescendo 91%
nesse período. Se considerado isoladamente o período iniciado a partir da
promulgação da nova Constituição, o aumento foi de 47%, passando de 22,4% do
PIB em 1988 para 33,0% em 2021.
Agrava a situação o
fato de a União conceder renúncia fiscal no total de R$ 380 a R$ 400
bilhões/ano, desprezando a Zona Franca de Manaus que participa com menos de 7%
desse total (de R$ 26 a 28 bilhões), a despeito de ser a única a gozar de
previsão constitucional.
Nada disso é tratado
com seriedade e transparência pelos pré-candidatos nas inserções partidárias de
rádio e televisão, gratuita para os políticos, mas pagas pela população. As
promessas são sempre as mesmas e todos apresentam soluções milagrosas sem
apontar ações efetivas nas causas das mazelas nacionais.
Para mudar para melhor,
o País precisa de compromissos verdadeiros, a começar pelo combate eficaz
contra a corrupção por meio da eliminação ou, ao menos, redução drástica de
agentes públicos abrigados pelo foro privilegiado; do restabelecimento da
prisão após condenação em segunda instância; de mudanças legislativas para
tornar imprescritíveis crimes contra a administração pública (peculato,
corrupção, improbidade e formação de organização criminosa), para impedir que
políticos respondendo a processo criminal não possam se candidatar até a
sentença final, e para proibir que irmãos, esposas, maridos, filhos e pais
possam figurar como vices ou suplentes nas chapas encabeçadas por seus
parentes.
O Brasil também exige
dos candidatos o compromisso de redução das desigualdades regionais e sociais,
o que passa pela revisão total e imediata de todas as renúncias fiscais de
tributos federais que não contribuam para esse fim. É preciso estabelecer que
novas renúncias fiscais somente serão concedidas em caráter temporário, de
forma regressiva ao longo do período de vigência, submetidas à auditoria
periódica, e restritas aos tributos e contribuições federais (Cofins, CSLL
etc), de forma a não impactar as receitas de estados e municípios, que têm
participação nos impostos federais (IPI e IR). Da mesma forma, necessário
tornar obrigatória a correção anual das tabelas do Imposto de Renda Pessoa
Física pelo IPCA.
A nação necessita de um
líder comprometido em fazer imediata e drástica redução nas renúncias fiscais,
fixando-as no patamar máximo de 2% do PIB (cerca de 180 bilhões/ano) e
enxugamento da máquina pública porque a despesa com esse setor não cabe mais no
PIB nacional. Tais despesas precisam reduzidas ao nível máximo de 10% do PIB, o
que geraria economia de R$ 300 a R$ 330 bilhões/ano.
Essa receita, somada
aos R$ 80 a R$ 120 bilhões possíveis de serem economizados com o combate sério
à corrupção, além de mais R$ 190 a R$ 210 bilhões obtidos com a redução da
farra de privilégios e renúncias fiscais, o Brasil reforçaria seus cofres em R$
570 a R$ 660 bilhões anuais. Seriam recursos suficientes para duplicar o SUS
(R$ 120 bilhões/ano); aumentar em 30% a remuneração dos professores da rede
pública de ensino fundamental (R$ 50 bilhões/ano), construir 500 mil unidades
habitacionais por ano (R$ 80 bilhões/ano) para doação à população mais carente;
dobrar o contingente da Polícia Federal para aprimorar a atuação nas
fronteiras, portos e aeroportos (R$ 30 bilhões/ano); reforçar o contingente das
Forças Armadas para atuação nas fronteiras secas, fluviais e marítimas (R$ 30
bilhões/ano); financiar obras de infraestrutura nas regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste, as mais pobres do País (R$ 60 bilhões/ano); e aumentar o combate
– físico e remoto – ao desmatamento e desflorestamento da Amazônia (R$ 30
bilhões/ano). Seria possível, portanto, mudar o País, gerando também milhares
de empregos, e melhorando significativamente a qualidade de vida dos
brasileiros sem aumentar impostos e sem remanejar recursos de outras
áreas.
Tudo depende,
entretanto, de atacar as origens dos principais problemas que impedem o Brasil
de retomar o rumo do desenvolvimento. E isso envolve, necessariamente, a elaboração
de um plano de metas para nortear as ações estratégicas ao longo dos próximos
anos. Com o desajuste da economia mundial, situação agravada pela guerra na
Ucrânia, essa é uma necessidade ainda mais premente. E isso vale também para os
governos estaduais, muitas vezes acostumados a creditar a culpa das mazelas
locais ao governo federal enquanto incham a máquina pública, fazem vista grossa
às práticas corruptas e concedem renúncias fiscais ilegítimas.
Lamentavelmente, essa
mudança de comportamento para apresentação de propostas estruturais não está na
agenda dos pré-candidatos, mais preocupados em conquistar os votos com
promessas genéricas, recheio de um discurso fácil, porém pouco profundo. O
Brasil não suporta mais improvisos e reclama soluções definitivas. Sem isso,
continuará a perder o bonde da história, somando novas décadas desperdiçadas.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). É autor do livro “Brasil, um país à deriva”.
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