Afinal, a franqueadora pode concorrer com a rede franqueada?
*Por
Thaís Kurita
Um dos maiores tabus do
sistema de franchising é o que envolve a concorrência entre a franqueadora e
suas unidades franqueadas e a das próprias franquias, entre si.
A proteção do
território de atuação do franqueado é tema de inúmeras discussões porque a concorrência
acirrada que o mercado impõe entre marcas reduz naturalmente a participação da
unidade franqueada em seu mercado, então, pressupõe-se que, se a franquia tiver
como concorrente a própria franqueadora ou outra unidade da mesma bandeira, não
será lucrativa.
Esse raciocínio faz
sentido em situações em que se pensem apenas em lojas físicas, mas, a partir do
crescimento do e-commerce e dos novos canais de varejo, com vendas cada vez
mais crescentes pelo Whatsapp e delivery, por exemplo, é necessário que se
observe a questão por novos ângulos para a saúde e sobrevivência da própria
marca.
Antes de falar sobre
como a lei de franquias trata a concorrência entre o franqueador e sua rede
franqueada, abro parênteses para justamente abordar os canais de varejo e o
impacto deles sobre a relação entre franqueadora e rede franqueada.
Algumas marcas apostam
na multicanalidade (quando uma empresa está em diversos canais de varejo) como
uma consequência natural de seu negócio. Outras, porém, visam à omnicanalidade
(quando ela está em todos os canais), uma estratégia de crescimento.
Enquanto o foco da
multicanalidade é alcançar territórios – sejam eles físicos ou virtuais – para
vender mais, a omnicanalidade tem como objetivo alcançar o maior número de
clientes, também para vender mais, mas para vender melhor, de forma combinada.
Na multicanalidade, os
canais, na maior parte das vezes, não interagem entre si. Mas, na
omnicanalidade, o que define a relação é justamente a interação harmoniosa dos
canais, que abrangem todos os pontos de contato com o cliente, desde os de
venda até o SAC.
O franqueador que
aposta na omnicanalidade, portanto, precisa capitalizar em todas as frentes
estratégicas de seu negócio – e mesmo aquele que pensa na multicanalidade pode
visualizar seus canais como concorrentes, mas não prejudiciais às unidades
franqueadas. E essa concorrência pode ser sadia, sem canibalismo e sem
estresse, desde que as regras sejam bem claras e entendidas por todos os
participantes desse jogo. E a lei de franquias, número 13.966/19, deixou isso
bem claro, tornando a questão da concorrência dentro da legalidade.
Até 2019, estava em
vigência a lei 8.955/94. Em seu artigo 2º, inciso X, ela determinava que a
Circular de Oferta de Franquias, a famosa COF, documento obrigatório que
apresenta e explica as regras do negócio ao candidato à franquia, especificasse
se o franqueado tinha exclusividade ou preferência sobre determinado território
de atuação e, em caso positivo, em quais condições, ou seja, era preciso
determinar se o franqueado podia ou não vender fora do seu território de
atuação.
Na nova lei, a
13.966/19, a questão territorial foi ampliada e o artigo 2º, inciso XI,
abordou, em sua alínea c, a seguinte questão: “se há e quais são as regras de concorrência territorial
entre unidades próprias e franqueadas”. Assim, portanto, a nova lei
admitiu a possibilidade e a legalidade de concorrência entre o franqueador e
sua rede franqueada, solicitando, apenas, que as regras para isso sejam
informadas.
E qual foi o intuito do
legislador em abordar essa questão?
A nova lei de franquias
foi elaborada em um momento em que o varejo já vivera o surgimento do comércio
eletrônico e suas amplas transformações. Naquela época, em se tratando das
franquias, houve muita discussão a respeito de como as marcas direcionariam as
vendas on-line.
Foram precisos inúmeros
testes para que as redes, grandes ou pequenas, chegassem a um denominador comum
com seus franqueados: algumas criaram produtos exclusivos para as lojas físicas
e/ou e-commerce, de forma a diferenciá-las; outras envolveram o franqueado em
alguma etapa da venda do e-commerce e houve, ainda, as que entendessem que o
cliente do e-commerce não é o da loja física, desvinculando completamente um
negócio do outro.
Houve desentendimento e
conflito em muitas redes, até que se chegasse a um denominador comum, mas todas
as marcas perceberam que não existe rede forte que não esteja no varejo virtual
– vale lembrar que o cliente do e-commerce quer comprar on-line, e quando não
consegue de uma determinada marca, não desiste dessa modalidade de compra, mas,
simplesmente, opta pelo concorrente. Não é o que se deseja, certamente. Por
isso, estar em diversos canais faz parte do negócio e se há, em algum momento,
uma sobreposição dos canais, ele é consequência da necessidade de se fazer
presente.
É claro que as coisas
mudam, o tempo todo. Com o avanço tecnológico, o cliente não pertence mais a um
território, mas ao relacionamento que o franqueado ou a marca tem com ele. Um
visitante esporádico de uma loja da zona Leste de São Paulo, mas morador da
zona Sul, pode se tornar consumidor fiel daquela loja, porque as vendas por
Whatsapp e as entregas por delivery derrubam barreiras. E esse é só um exemplo.
Então, se o franqueador
pode concorrer com o franqueado – por meio do seu e-commerce, de vendas diretas
ou de outras estratégias, qual é o limite dessa concorrência?
A lei de franquias
deixou claro que o franqueador pode concorrer com seus franqueados, desde que
as regras dessa concorrência fiquem claras. Aliás, o ambiente concorrencial
saudável é incentivado no Brasil. O limite, contudo, é a concorrência leal: o
franqueador não deve concorrer de maneira a prejudicar o seu franqueado.
Para garantir que isso
não aconteça, é necessário que se aja preventivamente, com um contrato que
preveja o que pode acontecer de catastrófico e que apresente políticas que tornem
possível a atualização de procedimentos de maneira ágil, como a situação
requer.
Quando, entretanto, o
contrato não conseguir prever algo que seja importante para a sobrevivência da
empresa diante da concorrência, será preciso negociar e entender como é o
comportamento das vendas. Para isso, existe a inteligência de negócios, as
análises de BI, que entram para determinar as políticas de atuação necessárias
ao caso. Se você está enfrentando um dilema na rede, a respeito da atuação em
outros canais, faça-se as seguintes perguntas:
- O novo canal pode tirar
clientes dos meus franqueados, a ponto de prejudicá-los de forma
significativa?
- O cliente do novo canal é o
mesmo das franquias?
- O momento da compra e a
motivação são os mesmos?
Se as respostas não
forem promissoras, será preciso pensar como atuar, ponderando a necessidade de
criação de produtos exclusivos para o canal, política de preços diferenciada,
inclusão do franqueado em algum momento da entrega ou da compra e outras
estratégias que não prejudiquem a rede ou o relacionamento entre as partes.
Mas é necessário que
todos entendam: quem não está atuando de maneira a se aproximar cada vez mais
do seu consumidor deixará de existir como marca, em um futuro não tão distante.
Se essa não é uma preocupação ainda, talvez você esteja olhando para o lado
errado.
*Thaís Kurita é
advogada especializada em franchising.
Sobre o
escritório Novoa Prado Advogados – Especialistas em Franchising
O escritório Novoa
Prado Advogados está no mercado há 32 anos, prestando serviços de Direito
Empresarial, especificamente em Varejo e Franchising. Atua nas áreas de
Franquia (com expertise em relacionamento de redes e contencioso); Direito
Empresarial, Imobiliário e Societário; Tributário e Contencioso Cível;
Contratos, Compliance e Varejo e Propriedade Intelectual.
Foi fundado por Melitha Novoa Prado e tem como sócia a advogada Thaís Kurita. Juntas, elas coordenam uma equipe dinâmica, comprometida e capacitada para oferecer aos clientes as melhores soluções jurídicas para seus negócios.
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