Aprendizagem Híbrida: estudo aponta carência de conhecimento sobre o tema, importância do cuidado com proteção de dados e necessidade da formação de educadores
Relatório “Aprendizagem Híbrida? Orientações para regulamentaçãoe
adoção com qualidade, equidade e inclusão” levanta questionamentos sobre a
adoção de uma abordagem híbrida na educação e recomendações para torná-la
sustentável
Durante
a pandemia, o ensino remoto foi a medida emergencial encontrada pelas escolas
para garantir a continuidade da educação dos estudantes. Expressões como
“ensino híbrido”, “educação híbrida” e “aprendizagem híbrida” passaram a fazer
parte do vocabulário de educadores, gestores, estudantes e famílias. As escolas
e redes de ensino foram lançadas em um cenário confuso sobre o termo e sua
relação com tecnologias educacionais.
Pesquisadores
do TLTL
– Transformative Learning Technologies Lab, da Universidade de Columbia,
realizaram o estudo - cacional
Aprendizagem Híbrida? Orientações para regulamentação e adoção com qualidade,
equidade e inclusão em parceria com a Fundação Telefônica
Vivo, Dados para um Debate Democrático na Educação (D3e) e Centro Lemann, com a
proposta de refletir e colaborar com a discussão sobre o tema e
pensar “quando” e “como” fazer uso da abordagem híbrida, gerando subsídios
para a formulação de políticas públicas.
A
adoção da aprendizagem híbrida, de acordo com o estudo, deve ser pautada pela
promoção da equidade e pela inovação educacional real, que vá além do
reempacotamento de velhas fórmulas com novos termos. “Educação digital pode ser
só uma nova forma de fazer a mesma coisa. A inovação na educação acontece
quando a pedagogia muda, quando a concepção de ensino muda. O ensino sempre
será inovador se a pedagogia for excelente”, diz o diretor do TLTL, Paulo Blikstein.
Em
outros países, a evidência sobre esse tipo de tecnologia mostra resultados
majoritariamente negativos na educação básica. No Brasil, dadas as
desigualdades sociais e regionais, assim como a falta de infraestrutura de
conectividade, os resultados seriam ainda piores.
“Evidências
corroboram que não existe uma solução simplista para a aprendizagem híbrida e
que em outros países o uso das tecnologias a serviço do desenvolvimento e
aprendizagem ainda está em construção. Também nos ajuda a caminhar no sentido
de refletirmos sobre a regulamentação da aprendizagem híbrida no Brasil, para
que ela seja complementar às aulas regulares e presenciais - e não uma
substituta. E ainda alerta para a necessidade de estruturar o monitoramento da
implementação, a fim de produzir e analisar resultados, entender o que
realmente funciona e avançar na qualidade da educação, sem deixar nenhum
estudante para trás”, diz Antonio Bara Bresolin, diretor executivo do D3e.
O
documento é apresentado ao público num contexto de volta às aulas, passado o
período crítico da pandemia de Covid-19, e do processo de discussão para
regulamentação do ensino híbrido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). O
estudo é assinado por Paulo Blikstein, Lívia Macedo, Mariana Lederman Edelstein,
Renato Russo, Fabio Campos e Rodrigo Barbosa e Silva, todos
pesquiasadores do TLTL.
Três
grandes desafios
1. Afinal, o que é
aprendizagem híbrida?
De
acordo com o Relatório, o próprio conceito ainda está em construção ao redor do
mundo, enquanto se discutem estratégias de curto, médio e longo prazo. Tirar
conclusões baseadas na situação emergencial da pandemia é precipitado. Para os
autores, a aprendizagem híbrida engloba quatro conceitos:
incentiva
o trabalho construcionista (ou “mão na massa”) e permite que estudantes
participem de experimentos e projetos enriquecedores em contextos físicos
diversos;
considera
a importância fundamental do professor e de sua formação para atuar nessa nova
modalidade;
respeita
fatores externos, mas essenciais para a aprendizagem, como espaço de estudo,
acesso igualitário a equipamentos e conexão, contexto familiar e saúde mental
do aluno e educador; e
combina
momentos de aprendizagem presenciais (na escola) e ambientes de aprendizagem
remotos (em casa ou em outros espaços do território do aluno).
2. O que dizem as
evidências?
Para comparar a eficácia da aprendizagem híbrida com a oferta presencial ainda
são necessárias evidências robustas e avaliações sobre que tipos de dados e
desenhos de pesquisa acadêmica devem ser priorizados quando se pensa na adoção
de modelos de aprendizagem híbrida. Como não há evidências suficientes que
apontem para a efetividade de elementos de abordagens híbridas de maneira
isolada, adotar políticas públicas que as privilegiem pode representar risco.
Por isso, qualquer iniciativa nesse sentido ainda requer pesquisa,
acompanhamento e autorizações que favoreçam a observação e a mensuração dos
resultados.
3. Como ficam os
estudantes com deficiência?
Ao
promover um ambiente de aprendizagem remoto, é necessário garantir o acesso e a
inclusão de
todos
os estudantes. É preciso também atuar ativamente na remoção de barreiras que
impeçam o aprendizado por parte dos alunos com deficiência em condição de
igualdade com os demais. Por isso, é essencial ter dados atualizados sobre quem
são esses alunos e quais são as principais barreiras.
Aprendizagem
híbrida pelo mundo
Os
autores do relatório examinaram exemplos distantes e próximos do Brasil em
termos de maturidade econômica e tamanho da população. Alguns países são
destaques em relação às políticas implementadas:
•
Uruguai e União Europeia: têm políticas nacionais robustas, prévias à pandemia.
Por lá, a educação contava com estratégias de tecnologias educacionais bem
definidas e suporte governamental.
•
Austrália: antes da pandemia, já havia desenho e implementação de estratégias
nacionais de fomento a metodologias de ensino e aprendizagem mais “mão na
massa”.
•
China: além da mobilização nacional, adotou estratégias descentralizadas e
delegou às escolas decisões para que os educadores pudessem definir as melhores
abordagens.
Recomendações
para implementar a aprendizagem híbrida de forma sustentável
Considerando
que o acesso a tecnologias é um direito educacional básico para o pleno
exercício da cidadania e para o mundo do trabalho, seis pontos-chaves
necessitam de investimentos para que seja possível caminhar com a discussão
sobre a implementação da aprendizagem híbrida na educação brasileira.
CONDIÇÕES DE USO:
Adoção da abordagem híbrida deve ser dividida em três contextos
para a introdução de políticas e ações:
emergencial com
componente remoto: estratégias para situações de emergência, quando
a ida à escola não for possível. O objetivo é reduzir possíveis perdas de
aprendizagem e manutenção de vínculo com a comunidade escolar.
recomposição da
aprendizagem com componente remoto: estratégias usadas após emergências
e/ou em cenários em que a recomposição da aprendizagem seja fundamental. A
finalidade é retomar e recompor a aprendizagem após situações emergenciais que
causem alterações significativas na rotina escolar ou em casos de grande
defasagem na aprendizagem, tal como vivemos atualmente, com a volta às aulas
presenciais durante a pandemia de Covid-19.
períodos regulares
com foco na ampliação da oferta e inovação pedagógica: Utilizada em
momentos de estabilidade, aplicada sempre que possível. Nesse caso, a ideia é
permitir que os alunos trabalhem em projetos, experimentos e outras
experiências autênticas possibilitadas pela tecnologia.
INFRAESTRUTURA: A
digitalização depende de equipamentos, conexão e recursos de software e
hardware. São
necessárias ações efetivas e mensuráveis de fornecimento de todos esses itens
para ambientes educacionais. Dois elementos são fundamentais em casa e na
escola: computador e conexão permanente à internet.
PROTEÇÃO DE DADOS: Informações
de alunos e trabalhadores da educação precisam receber tratamento cuidadoso, de
modo a garantir sua proteção. Autoridades educacionais têm a obrigação de
assegurar proteção, privacidade e bom uso de dados coletados e armazenados
durante atividades escolares. É fundamental estabelecer regras e
contratos que orientem o setor público e as autoridades educacionais sobre o
cumprimento das obrigações legais com a infância e juventude de forma
transparente e auditável, proporcionando à comunidade escolar o uso ético de
dados pessoais e o respeito à privacidade. É ainda fundamental estabelecer
regulação objetiva e específica para contratos de serviços de tecnologia a
redes e escolas individuais.
FORMAÇÃO DOCENTE: Os educadores
precisam de apoio contínuo para que mudem de ambiente e pensem em diferentes
contextos de aprendizagem para planejar as atividades, evitando que “módulos
híbridos” sejam restritos a aulas on-line assíncronas ou a testes realizados
por alunos em interfaces digitais. É importante ainda que seja previsto espaço
para o redesenho de parâmetros para programas de formação, de forma que passem
a abarcar habilidades de autoria com tecnologias.
INTEGRAÇÃO COM AS
POLÍTICAS NACIONAIS, programas, leis e regulamentações que dizem respeito a
assuntos pertinentes ou correlatos à aprendizagem híbrida: Há
iniciativas em andamento, como a Política de Inovação Educação Conectada (PIEC)
e o Wifi Brasil. Há também necessidade de relação com propostas legislativas,
em fase avançada de tramitação e debates. E a regulação sobre aprendizagem
híbrida também precisa dialogar com a legislação existente. Nesse sentido, os
dispositivos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), do Marco Civil
da Internet e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) terão aplicação
para segurança, bem-estar e garantia do melhor interesse de crianças e adolescentes
em ambientes mediados por tecnologias digitais, no curto, no médio e no longo
prazo.
PRODUÇÃO DE ESTUDOS
E MONITORAMENTO de programas piloto e definição de um novo marco regulatório
baseado em pesquisas e práticas reconhecidas pelas comunidades acadêmica e
educacional: é
essencial que as estratégias brasileiras de aprendizagem híbrida fomentem
estudos independentes, monitorados por órgãos públicos, pela academia e pela
sociedade, a fim de medir a eficácia das novas experiências. A partir desse
monitoramento da análise científica de resultados, evitaremos a construção de
políticas baseadas em percentuais arbitrários de aulas presenciais e remotas,
entre outras decisões motivadas por impressões subjetivas. É essencial permitir
espaço ao debate aprofundado sobre evidências e experiência acumulada de
políticas e estudos conduzidos no contexto brasileiro. Os estudantes devem ter
voz ativa e permanente nos conselhos e fóruns de discussão das políticas que os
afetam diretamente.
Sobre o
Transformative Learning Technology Lab (TLTL) - Tem como diretor o
brasileiro
Paulo Blikstein. O laboratório de alcance internacional
que desde 2008 investiga e cria soluções e tecnologias para uma aprendizagem
significativa, crítica e transformadora. Localizado na Universidade de
Columbia, EUA, o laboratório foca em tornar o aprendizado de ciências,
engenharia e computação mais conectado aos interesses dos alunos e à sua
cultura, criando ambientes de aprendizagem inspirados em autores como Seymour
Papert, Edith Ackermann, Léa Fagundes, Ubiratan D’Ambrosio e Paulo Freire. Além
de diversos projetos no Brasil, o TLT Lab trabalhou em parcerias acadêmicas e
de implementação em diversos países, como Itália, Tailândia, Finlândia, Hong
Kong (China) e Dinamarca. O laboratório publicou mais de 250 artigos
acadêmicos, muitos deles em colaboração com autores brasileiros.
Sobre o D3e
- Dados para um Debate Democrático na Educação - Associação
civil sem fins lucrativos que colabora para o aprimoramento do debate
educacional brasileiro e para a qualificação do uso do conhecimento científico
no desenvolvimento de políticas educacionais fundamentadas e consistentes, que
promovam educação equitativa e de qualidade no Brasil.
Sobre a Fundação Telefônica Vivo - Há 23 anos no Brasil, é uma das responsáveis pela esfera social no conceito 5G da Vivo, alinhada ao propósito da companhia e confiante que a digitalização do Brasil é um importante facilitador para uma sociedade mais justa, humana e inclusiva. O foco da atuação social da Fundação está em apoiar a “digitalização da educação pública”, voltada para o desenvolvimento das competências digitais de educadores e estudantes do ensino fundamental e médio.
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