Decisões judiciais reconhecem a capacidade de ser parte dos animais em âmbito jurídico
Por Henrique de Araújo Gonzaga e Rebeca
Stefanini Pavlovsky*
O desenvolvimento das relações sociais e
o aprimoramento da percepção da interrelação do homem com o meio externo
ensejam novas discussões e expõem o Judiciário à situações cada vez mais
complexas, exigindo que a tutela jurisdicional seja compatível com os anseios
do mundo atual. Neste contexto, as relações entre homens, animais e meio
ambiente passaram a demandar uma nova ótica jurídica, voltada para a busca de
soluções como forma de assegurar a existência digna a todos os seres.
Em diversas ocasiões, o Supremo Tribunal
Federal reafirmou sua jurisprudência, reconhecendo dignidade aos animais e
considerando ultrapassado e insuficiente o conceito civilista que os define
como coisa/bem. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também rejeitou o
tratamento jurídico dos animais como simples “coisas”, apontando para “a incongruência entre o regime
jurídico dos animais não-humanos no Código Civil de 2002 com a Constituição”.
Todo animal é sujeito de direitos
fundamentais porque a própria Constituição Federal, no artigo 225, parágrafo
1º, lhe reconhece dignidade. O reconhecimento, pois, da dignidade própria dos
animais gera também efeitos processuais, possibilitando o acesso à justiça para
a defesa de direitos subjetivos e a ampliação da proteção animal por vias, até
então, pouco reguladas e conhecidas pelo Direito.
Desde o ano de 1934, o Decreto Federal
nº 25.645 reconhece a capacidade processual dos animais ao dispor que “os
animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público,
seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras de animais”.
Em que pese alguma discussão quanto à vigência do Decreto, o normativo foi
validado pelo STJ, que o considerou compatível com a Declaração Universal dos
Direitos dos Animais.
Assim, tendo como fundamento o referido
Decreto e as decisões dos Tribunais Superiores reconhecendo dignidade aos
animais, o Tribunal de Justiça do Paraná, reconheceu, por unanimidade, em 23 de
setembro de 2021, a possibilidade de os animais figurarem no polo ativo das
demandas. No referido julgamento, o Tribunal confirmou a possibilidade de que
os cães Spike e Rambo sejam, junto à ONG de proteção animal, partes do
processo, em ação indenizatória ajuizada em razão de maus tratos sofridos pelos
animais.
O voto do relator, Desembargador
D’artagnan Serpa Sá, afirmou que a capacidade de ser parte deve ser consagrada
como forma de tutela constitucional de direitos fundamentais. Além disso, o
magistrado traça um panorama legislativo de diversas normas estaduais recentes
e que visam conferir dignidade aos animais, reconhecendo-os como seres
sencientes despersonificados, ou seja, dotados de natureza biológica e
emocional, passíveis de sofrimento e que necessitam de proteção específica.
Trata-se de uma importante decisão para os defensores dos animais e, no meio
rural, especificamente, para aqueles que defendem o manejo focado no bem-estar
animal e na eliminação da marcação a fogo, criando-se um precedente judicial
relevante em meio a manifestações judiciais, até então, contrárias ao
entendimento.
A atribuição de capacidade processual
aos animais pode representar uma mudança cultural, pois o fato de os animais
poderem postular direitos perante os tribunais, para que lhes sejam garantidas
melhores condições de vida, tem um significado simbólico importante,
contribuindo com maior conscientização social em torno do tema. O debate também
foi feito quando noticiado o escândalo das búfalas, da cidade de Brotas, que
sofreram com a situação precária na fazenda em que se encontravam, no ano
passado. Na Câmara dos Deputados, inclusive está em tramitação o Projeto de Lei
6054/2019, que altera o Código Civil e versa sobre a natureza jurídica dos
animais domésticos e silvestres.
Em que pese os animais não possuírem
discernimento civil e nem mesmo aptidão técnica processual, a decisão do TJPR
analisada indica que estes seres possam estar em juízo. Por analogia,
discorre-se que, como já ocorre com as pessoas que apresentam qualquer grau de
incapacidade ou com os entes despersonalizados, a eventual representação
processual dos animais é possível, visando-se alcançar a maior tutela possível
de direitos.
Especialmente diante de um cenário
global que cada vez mais se prioriza o equilíbrio ecológico e a redução do
sofrimento dos animais no manejo, o Direito terá que enfrentar questões que
dialoguem com o acolhimento e a inserção das dimensões ecológica e animal ao
Estado de Direito. Por isso, a discussão sobre a capacidade de ser parte dos
animais ainda está longe de encontrar-se pacificada e tende a ser pauta
frequente nas cortes de justiça.
* Henrique de Araújo Gonzaga e Rebeca
Stefanini Pavlovsky são advogados associados do escritório Cescon Barrieu
Sobre o Cescon Barrieu
O Cescon Barrieu é um dos principais escritórios de advocacia do Brasil, trabalhando de forma integrada em cinco escritórios no Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Brasília) e, também, em Toronto, Canadá. Seus advogados destacam-se pelo comprometimento com a defesa dos interesses de seus clientes e pela atuação em operações altamente sofisticadas e muitas vezes inéditas no mercado. O objetivo do escritório é ser sempre a primeira opção de seus clientes para suas questões jurídicas mais complexas e assuntos mais estratégicos. www.cesconbarrieu.com.br
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