Existe ética nos ataques hackers?
Patricia
Punder, advogada e CEO da Punder Adovgados
Quando
pensamos nos “hackers” a primeira ideia que vem a nossa mente são pessoas ou
grupos que usam de seus conhecimentos em tecnologia com o objetivo de obter
lucro ou prejudicar empresas ou pessoas. Agem de forma ilegal, usando as
vulnerabilidades dos sistemas tecnológicos para obter algo de valor. Também
podem agir para passar uma mensagem, principalmente, de cunho “político”.
Entretanto, não podemos ignorar que não existem somente hackers ou grupos de
hackers que agem de forma ilegal e antiética. Existem hackers que se
profissionalizaram e hoje trabalham ajudando empresas a descobrir
vulnerabilidades em seus sistemas.
Este tema quando abordado normalmente leva para caminhos extremos – ou o hacker
atua voltado para o “Dark side of the force” ou, então, para o “Bright side of
the Force” (expressões definidas nos filmes do “Star Wars”). Mas, nem tudo são
extremos, existem zonas cinzentas na vida pessoal e corporativa. Até nos
Programas de Compliance, os Compliance Officers enfrentam situações de zonas
cinzentas e decisões devem ser tomadas.
Estamos passando por anos difíceis e estranhos. Primeiro uma grande pandemia
global e, agora, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Como profissional de
Compliance defendo veementemente a privacidade de dados. Temos o exemplo da
Diretiva Europeia e suas ações de fiscalização e multas e, desde 2018, o Brasil
possui uma lei especifica sobre este tema. Ademais, foi definido que
privacidade de dados e um direito fundamental do cidadão.
Entretanto, sem justificar os atos realizados pelos “hackers” considerados do
bem, voltados para os ideais de liberdade de informações, tenho acompanhado a
guerra cibernética que vários grupos têm realizado na Rússia. Estamos falando
de um país não democrático, onde um indivíduo está no poder há 20 anos,
comandando com mãos de ferro qualquer tipo de divergências de opiniões, as
mídias, jornais, juízes e o congresso local. Ou seja, um regime político
ditatorial, que está totalmente oposto ao democrático.
Quando os hackers invadem as televisões e sites locais na Rússia para
compartilhar informações sobre o que de fato está acontecendo na Ucrânia em
contraponto com a mensagem oficial do sistema ditatorial, eu penso no direito
da população de ter liberdade de acesso a informações verdadeiras. Se o formato
para fazer com que as informações verdadeiras sobre o que de fato tem ocorrido
nesta guerra não ser o mais ético ou até legal se trata de uma zona cinzenta
que temos que enfrentar.
Afinal, o direito a democracia, a liberdade de expressão e informações, o
respeito aos cidadãos (que estão sendo presos por demostrarem que não concordam
com a guerra) se sobrepõe ou não ao que estão fazendo os hackers na Rússia?
Novamente, uma zona cinzenta que pode levar a várias discussões para distintos
lados e de forma extremamente passional.
O mundo também enfrenta um problema denominado “fake news”. Muitos países e
políticos tem usado deste instrumento para disseminar notícias falsas e criar
mais polarização entre as pessoas. Aconteceu no Brasil em relação as vacinas,
nos Estados Unidos em relação a origem do vírus e agora na Rússia em relação a
invasão da Ucrânia. Até quando este problema irá continuar? Temos plataformas
de todos os tipos, com alcance que abrange quase todo o mundo e que influencia
nosso modo de vida. Mas, não temos regras globais em relação elas. A
autorregulamentação tem se demonstrado fraca e frágil, ainda voltada para os
interesses econômicos e não éticos.
Sendo assim, como ser humano não consigo condenar neste momento a atitude dos
hackers que tem ajudado os cidadãos da Rússia a terem acesso as informações
verdadeiras. Muitos são pais que tem seus filhos na guerra e não sabiam o que
estava acontecendo e quantos estão morrendo. Estamos em um momento que temos
que parar de julgar os outros ou fatos de forma dualizada, estamos diante de
uma zona cinzenta e, talvez, mesmo não sendo o formato certo e legal, os
hackers estão ajudando a trazer um pouco de luz e conhecimento real os cidadãos
comuns da Rússia, pois existe uma elite forte que aparentemente tem como fonte
de renda a corrupção, lavagem de dinheiro, trafico de armas, drogas, dentre
outros crimes.
Patricia
Punder, advogada é compliance officer com experiência internacional. Professora
de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP).
Uma das autoras do “Manual de Compliance”, lançado pela LEC em 2019 e
Compliance – além do Manual 2020.
Com sólida experiência no Brasil e na América Latina, Patricia tem expertise na
implementação de Programas de Governança e Compliance, LGPD, ESG, treinamentos;
análise estratégica de avaliação e gestão de riscos, gestão na condução de
crises de reputação corporativa e investigações envolvendo o DOJ (Department of
Justice), SEC (Securities and Exchange Comission), AGU, CADE e TCU (Brasil)
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