Programa de benefícios ao setor de eventos gera insegurança jurídica e receio de utilização pelos contribuintes
* por Carolina Romanini Miguel
Há pouco mais de um ano, no começo de
maio de 2021, foi promulgada a Lei nº 14.148/2021, que instituiu o Programa
Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), com o intuito de compensar
as pessoas jurídicas que atuam nesse ramo de negócios pelos prejuízos sofridos
em decorrência das medidas de enfrentamento da pandemia de Covid-19.
Dentre os benefícios oferecidos o
legislador incluiu a redução a zero das alíquotas do PIS, COFINS, CSLL e IRPJ
pelo prazo de 60 (sessenta meses) contado do início da produção de efeitos da
mencionada Lei. De acordo com o art. 4º, essa redução se aplica às pessoas jurídicas
pertencentes ao setor de eventos, assim consideradas aquelas que exercem as
seguintes atividades econômicas, direta ou indiretamente:
I - realização ou comercialização de
congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais,
feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em
geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de
espetáculos;
II - hotelaria em geral;
III - administração de salas de exibição
cinematográfica; e
IV - prestação de serviços turísticos,
conforme o art. 21 da Lei nº 11.771/2008.
Embora defina os integrantes do setor de
eventos para fins de aplicação do Perse, a Lei nº 14.148/2021 conferiu ao
Ministério da Economia a função de publicar os códigos da Classificação
Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor
de eventos, ou seja, aqueles autorizados a aproveitar da desoneração
tributária.
Diante disso, em 23/06/2021, foi
publicada a Portaria nº 7.613/2021, editada pelo Ministério da Economia,
definindo os códigos da CNAE considerados integrantes do setor de eventos para
fins de aplicação das medidas compensatórias previstas na Lei nº 14.148/2021.
De acordo com essa Portaria, especificamente com relação a determinados
códigos, tais como fabricação de vinho, restaurantes e similares, locação de
automóveis e ensino de esportes (Anexo II), somente serão elegíveis à fruição
do benefício se, na data de publicação da Lei nº 14.148/2021 (04/05/2021),
estivessem regularmente inscritos no Cadastur, junto ao Ministério do Turismo.
Preocupado com o impacto orçamentário e
financeiro da desoneração, o Presidente vetou o mencionado art. 4º da Lei,
antes mesmo da publicação da referida Portaria, sob o argumento de que a medida
representaria violação à lei de responsabilidade fiscal e ao princípio
constitucional da isonomia tributária.
Contudo, em 18/03/2022 o dispositivo
vetado foi promulgado pelo Congresso Nacional, gerando inúmeras dúvidas acerca
da aplicação do benefício tributário, em especial, sobre o termo inicial de sua
vigência e extensão da desoneração.
Quanto ao prazo, a lei reduz as
alíquotas dos referidos tributos federais a partir da data de início de
produção dos efeitos da lei, ou seja, 04/05/2021. Ainda que o dispositivo legal
tenha sido vetado naquela ocasião, os contribuintes teriam direito ao benefício
retroativamente? Ou os 60 meses passam a ser computados com a derrubada do
veto?
Quanto aos contribuintes sujeitos ao
benefício, todas as pessoas jurídicas inscritas no Cadastro Nacional de Pessoa
Jurídica que tenham em seu registro ao menos um dos CNAEs relacionados na
Portaria têm direito à alíquota zero dos quatro tributos? Apenas os
contribuintes que sofreram perda durante a pandemia de Covid-19 fazem jus ao
benefício? Tais perdas precisam ser comprovadas? Para o caso de empresas com
atividades mistas, sendo uma delas correspondente ao CNAE relacionado na
Portaria, deve ser considerado o valor total ou apenas o da atividade
correspondente como base de cálculo para aplicação da alíquota zero?
Essas são algumas das questões
levantadas acerca do Perse, que demonstram a insegurança jurídica enfrentada
pelos contribuintes.
Especificamente com relação à
necessidade de comprovação da perda financeira, a lei concede indenização aos
beneficiários do Perse “que
tiveram redução superior a 50% do faturamento entre 2019 e 2020”.
Porém, esse critério diretamente relacionado ao prejuízo sofrido pelo
contribuinte não está previsto para fins de aplicação da alíquota zero dos
tributos federais mencionados.
Além disso, cabe ao Ministério da
Economia exclusivamente definir os códigos CNAE sujeitos ao benefício, de forma
que a obrigatoriedade de inscrição no Cadastur configura limitação ilegal do
direito do contribuinte por um ato administrativo. Vale destacar que a
inscrição nesse cadastro sequer era obrigatória para muitos setores, o que, por
si só, tornaria questionável o critério utilizado pelo Poder Executivo. Caso um
contribuinte soubesse que o benefício seria concedido apenas com a condição de
estar cadastrado, certamente teria adotado essa providência.
Outro ponto a ser considerado, inclusive
mencionado na mensagem de veto, é o prejuízo à livre concorrência e ao
princípio da isonomia entre os contribuintes, principalmente pelo fato de o
benefício em questão ser aplicável por 60 meses. Afinal, as empresas que
iniciaram suas atividades em 2022 poderão ser prejudicadas por não contarem com
o mesmo benefício fiscal concedido àquelas que atuavam desde o período da
pandemia.
Em síntese, o Perse constitui importante
medida para a recuperação do setor eventos, tão prejudicado durante a pandemia.
Mas para que produza efeitos positivos, não pode gerar tamanha insegurança
jurídica, além de prejuízo à concorrência entre os contribuintes e violação à
lei de responsabilidade fiscal. É fundamental que os Poderes Executivo,
Legislativo e mesmo o Judiciário, que em breve será provocado, se manifestem
com clareza e objetividade sobre os parâmetros necessários para a concessão dos
benefícios.
* Carolina Romanini Miguel é sócia da
área tributária do Cescon Barrieu Advogados
Sobre o Cescon Barrieu
O Cescon Barrieu é um dos principais escritórios de advocacia do Brasil, trabalhando de forma integrada em cinco escritórios no Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Brasília) e, também, em Toronto, Canadá. Seus advogados destacam-se pelo comprometimento com a defesa dos interesses de seus clientes e pela atuação em operações altamente sofisticadas e muitas vezes inéditas no mercado. O objetivo do escritório é ser sempre a primeira opção de seus clientes para suas questões jurídicas mais complexas e assuntos mais estratégicos. www.cesconbarrieu.com.br
Nenhum comentário