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Burnout: um diagnóstico impossível

Estevam Vaz de Lima*

Inicialmente, preciso dizer que ao apresentar minhas opiniões sobre burnout não estou questionando o sofrimento alheio, nem colocando em dúvida que pessoas que tenham recebido o “diagnóstico” de burnout não estejam em sofrimento, eventualmente grave. Meu enfoque é completamente diferente disso. O que venho dizendo é que, do ponto de vista médico, burnout não se sustenta de modo algum como doença, enfermidade, patologia ou moléstia, conforme linguagem empregada pelos autores da área e é impossível fazer seu diagnóstico.
 

A Organização Mundial da Saúde declara taxativamente que “burnout não é uma condição médica” e que “não é classificado como doença ou condição de saúde”. Esta nota, publicada um dia após a apresentação da CID 11 numa coletiva de imprensa, é tão diferente – na verdade, o oposto – do que tem sido divulgado pelos meios de comunicação que é melhor você conferir por si mesmo. Basta dar um google em “who burnout 28” para acessar a página oficial da Organização onde está publicada. A OMS é a entidade normativa que estabelece o que é o que não é doença. É preciso lembrar aqui que algumas pessoas pensam que “se está na CID, é porque é doença”. Não é bem assim. A CID 10, por exemplo, apresenta cerca de oito mil eventos envolvendo o corpo e a vida humanos que não são doenças. A CID 11 apresenta muitos mais. Burnout está entre eles.

Mas não precisamos nos fiar apenas no que diz a OMS. Há um conjunto de argumentos onde, cada um deles, isoladamente, é suficiente para concluir que as teorias sobre burnout, enquanto doença, não param em pé. Mas aqui não vou me estender sobre tais argumentos. Vou tratar de apenas um aspecto que responde ao tema do artigo: um diagnóstico impossível.

 

O diagnóstico médico depende de dois fatores distintos e elementares: sintomas e sinais. Para deixar claro o que isso quer dizer, vamos usar um exemplo muito simples: você está com dor de garganta. Você vai ao médico e se queixa de dor de garganta, febre, talvez calafrios e mal-estar geral. Estes são os sintomas ou elementos subjetivos do exame médico. O médico vai medir sua febre, examinar sua garganta, palpar seu pescoço em busca de gânglios aumentados, avaliar seu estado geral, etc. Estes são os sinais ou elementos objetivos para se chegar a um diagnóstico. Se ele identificar pontos amarelos, vai pensar numa direção. Se constatar somente vermelhidão, vai pensar em outra direção e cada uma delas acabará conduzindo a uma determinada hipótese diagnóstica. Essa possibilidade simplesmente não existe quando se fala em burnout porque não existem elementos objetivos que um observador externo e independente possa verificar e concluir que se trata de “burnout”. Assim, não é possível realizar o diagnóstico nem diagnósticos diferenciais. E por que isso? Por inúmeras razões: burnout se confunde com mais de 30 diagnósticos psiquiátricos, tem 140 sintomas (!!!) e é “diagnosticado” em cem por cento das pessoas que respondem ao questionário usado para pesquisar o fenômeno, o MBI, Maslach Burnout Inventory.

Em minha opinião, os próprios autores fundadores do “conceito” de burnout parecem saber de sua fragilidade e insustentabilidade. Nesse sentido, Maslach, tentando resolver o problema diagnóstico do fenômeno, acredita ter encontrado os elementos subjetivos (sintomas) e objetivos (sinais), citando um autor que propõe como fazer o diagnóstico psiquiátrico de burnout: “Bibeau et al. (1989) propõem critérios diagnósticos subjetivos e objetivos para o burnout. O principal indicador subjetivo é o estado geral de fadiga extrema [...] O principal indicador objetivo é uma significativa diminuição no desempenho no trabalho durante um período de vários meses, que precisa ser observada em relação a (1) clientes (que recebem serviços de menor qualidade); (2) supervisores (que observam uma eficiência diminuída, absenteísmo, etc.); (3) e colegas (que observam uma perda geral de interesse em assuntos relacionados ao trabalho). *(Maslach & Schaufeli, 1993) (grifos meus).

 

Impressionante! Maslach, psicóloga social da Universidade de da Califórnia, parece desconhecer que as observações de terceiros são tão sujeitas à subjetividade quanto as do próprio doente. São chamadas anamneses indiretas. O problema não sai do lugar e a proposta de Maslach é um disparate. Além disso, imagine você sendo “diagnosticada” ou “diagnosticado”, seja lá do que for, a partir das observações de clientes, supervisores e colegas!... Você toparia? Acharia que estão fazendo ciência ou pseudociência com a sua saúde??.

Em síntese: o diagnóstico de burnout é impossível porque a noção está mergulhada em confusão, inespecificidade e indiscriminação, conforme exposto acima.

 

*(Maslach & Schaufeli, 1993, p. 15, apud Vaz de Lima, E. Burnout: a doença que não existe. 2021, Appris Editora, Curitiba)

 

 

 

 

*Estevam Vaz de Lima é médico psiquiatra, psicanalista e autor do livro “Burnout: a doença que não existe”.

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