Dúvidas sobre o Perse persistem e silêncio da Receita Federal faz empresas temerem futuras autuações
Artigo de Fabio Silva, advogado tributarista e
professor da FIPECAFI Projetos, Kauê Guimarães Castro e Sousa, consultor da
FIPECAFI Projetos e Fernando Dal-Ri Murcia, professor e diretor da FIPECAFI
Projetos.
Em 03/05/2021 foi editada a Lei nº
14.148/2021, que instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de
Eventos (Perse), tendo como objetivo o estabelecimento de “ações emergenciais e
temporárias destinadas ao setor de eventos, a fim de compensar os efeitos
decorrentes das medidas de isolamento estabelecidas para enfrentamento da
pandemia da Covid-19”.
Dentre os benefícios contidos na lei
destacam-se: a possibilidade de renegociação de dívidas tributárias e não
tributárias, incluídas aquelas para com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(FGTS); a redução a zero das alíquotas de PIS/Pasep, Cofins, CSLL e IRPJ
pelo prazo de 60 meses;indenização baseada nas despesas com pagamento de empregados
durante o período da pandemia da Covid-19 para empresas do setor que tiveram
redução de 50% do faturamento entre 2019 e 2020; contemplação de empresas
enquadradas no Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de
Pequeno Porte (Pronampe) em subprograma específico, com taxa de juros de 6% ao
ano, mais a taxa Selic; e a instituição do Programa de Garantia aos Setores
Críticos (PGSC), voltado às empresas de direito privado, associações, fundações
de direito privado e sociedades cooperativas que contrataram operações de
crédito até 180 dias após a entrada em vigor da lei.
Como podemos notar, a lei traz
benefícios significativos para o setor, em especial a possibilidade de não
recolhimento dos tributos federais acima mencionados pelo prazo de 05 anos, a
contar de 18 de março de 2022, data da publicação das partes inicialmente
vetadas.
Muito embora tais vantagens tenham sido
recebidas com grande entusiasmo pelo setor, o clima de apreensão vem tomando
corpo entre os profissionais do direito e da contabilidade, por temerem que no
futuro seus clientes possam vir a ser autuados em razão de interpretação
divergente por parte das autoridades fiscais.Some-se ao cenário o silêncio da
Receita Federal do Brasil (RFB), que até o momento não regulamentou a lei,
tampouco se manifestou sobre sua aplicação.
Tomemos como exemplo o artigo que prevê
a aplicação dealíquota zero sobre as receitas dos contribuintes. Desse simples
dispositivo, aparentemente claro, surgem dúvidas acerca de quais seriam as
receitas incluídas e quais as empresas consideradas como integrantes do setor
de eventos.
Há quem sustente que como não há
ressalva na lei, a alíquota zero aplicar-se-iaa todas as receitas das pessoas
jurídicas abrangidas, incluindo aquelas não operacionais, como, por exemplo,
receitas financeiras. Contudo, olegisladorpretendeu compensar os efeitos
decorrentes das medidas de combate à pandemia, talvez a interpretação mais
concernente com os objetivos da legislação seja aquela que restringe a
aplicação do benefício às receitas operacionais oriundas de atividades
relacionadas exclusivamente com eventos.
Daí decorre uma segunda dúvida. Muito
embora lei também liste quais pessoas jurídicas são consideradas como
pertencentes ao referido setor, o parágrafo subsequente dispõe que “Ato do
Ministério da Economia publicará os códigos da Classificação Nacional de
Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor de
eventos”.
O aludido ato foi publicado por meio da
Portaria nº 7.163/2021, onde consta lista, dividida em dois anexos, dos CNAES
que são considerados pertencentes ao setor de eventos, dando margem para a
conclusão de que as empresas que possuíam na data da promulgação da lei
qualquer das classificações indicadas na lista, fazem jus ao benefício da
alíquota zero sobre os tributos incidentes sobre as receitas.
Ocorre que uma breve análise da lista
pode causar estranheza e levantar ainda mais dúvidas. Notem, por exemplo, a
inclusão do CNAE 4330-4/02. Trata-se da classificação das empresas que exercem
a atividade de instalação de portas, janelas, tetos, divisórias e armários
embutidos de qualquer material. É necessário um grande esforço interpretativo
para concluirmos que a atividade de instalação de portas integra o setor de
eventos e que, portanto, estaria abrangida pelos benefícios da Lei.
Em razão disso, há quem considere que
tais atividades somente podem se beneficiar da alíquota zero quando prestarem
serviços no âmbito de algum evento, pois, somente nesse caso, haveria
justificativa para aplicação do Perse, cujo objetivo é proteger um setor cujas
atividades são específicas e que, em razão da pandemia, interromperam
praticamente por completo seu funcionamento, o que não seria o caso, por
exemplo, da atividade de instalação de portas e janelas.
Como podemos perceber as controvérsias
são significativas. Ora, considerando que a aplicação da alíquota zero não
depende de regulamentação ou requerimento prévio à RFB, compete às empresas
aplicarem a lei conforme a interpretação que entenderem mais adequada.
Consequentemente, uma vez que suas
atividades se encontrem taxativamente listadas na Portaria do Ministerial da
Economia há bons argumentos para defender a aplicação da alíquota zero sobre os
tributos incidentes sobre a receita. Por outro lado, essa conclusão parece contradizer
os objetivos do Perse, motivo pelo qual o mercado receia que, no futuro, os
contribuintes possam ser surpreendidos com autuações de elevada monta.
Há, ainda, outras dúvidas que vêm
preocupando as empresas do setor, como é o caso da exigência no sentido de que
as pessoas jurídicas que exercem as atividades indicadas no Anexo II da
Portaria Ministerial só fazem jus aos benefícios do Perse se, na data da
publicação original da Lei (03 de maio de 2021), estivessem regulamente inscritas no
Cadastur do Ministério do Turismo.
Trata-se, aparentemente, de exigência
ilegal e restritiva, na medida em que a Lei nº 14.148/2021 não traz qualquer
menção nesse sentido. Por conta disso, alguns contribuintes estão solicitando a
intervenção do Poder Judiciário no sentido de garantir o exercício de seus
direitos, afastando a exigência aparentemente ilegal contida na portaria
ministerial, conforme, inclusive, precedentes favoráveis de alguns tribunais.
Diante de tantas controvérsias, uma posição prévia e clara da RFB sobre o assunto seria muito bem-vinda e evitaria muitas disputas jurídicas que, no momento, parecem inevitáveis.
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