Credor não renuncia à garantia fiduciária ao requerer conversão de busca e apreensão em execução de título extrajudicial
Por André Meyer Albiero *
Tratando-se de crédito garantido por
alienação fiduciária de bem móvel, o credor – cujo crédito possui essa
modalidade de garantia – diante do inadimplemento da obrigação pelo devedor,
nos termos do art. 3º, caput,
do Decreto Lei nº 911/1969, poderá ajuizar ação de busca e apreensão visando
retomar a posse sobre o bem objeto da garantia.
Por outro lado, caso o bem alienado
fiduciariamente não mais esteja na posse do devedor, quando realizados os atos
expropriatórios decorrentes da ação de busca e apreensão, ou, ainda, quando não
seja possível encontrá-lo, o credor poderá, à sua escolha, requerer a conversão
da referida ação em demanda executiva, lastreada em título executivo
extrajudicial, consubstanciado no título de crédito ou contrato garantido por alienação
fiduciária (art. 4.º, caput,
do Decreto-Lei nº 911/1969).
Sob o ponto de vista do direito
bancário, por sua vez, visando implementar recursos à atividade empresária,
pessoas jurídicas, em sua maioria, emitem em favor das instituições financeiras
títulos de crédito – especialmente cédulas de crédito bancário – os quais são
dotados de instrumento particular de garantia de alienação fiduciária de bem
móvel, através do qual as empresas tomadoras do crédito ofertam bens de seu
acervo, seja industrial ou até mesmo comercial, como forma de obter melhores
taxas e encargos mais brandos.
Logo, em consequência de eventual
inadimplemento do pagamento por parte da empresa emitente do título de crédito,
no exercício das faculdades conferidas pela legislação, o credor buscará a
expropriação do bem objeto da garantia por meio do ajuizamento da ação de busca
e apreensão. Caso não logre êxito em localizá-lo, poderá, sem qualquer ônus,
requerer a conversão em execução de título extrajudicial.
A princípio, aplicado à realidade
bancária, o rito processual acerca da alienação fiduciária de bem móvel
apresenta-se pouco complexo, sendo, aparentemente, conferidos ao credor meios
eficazes à satisfação do crédito inadimplido.
No entanto, um cenário mais complicado
surge quando a empresa emitente do título de crédito, gravado pela alienação
fiduciária, encontra-se em recuperação judicial, cujo bem objeto da garantia,
por ser utilizado no meio produtivo, pode ser reconhecido pelo juízo da
recuperação judicial como essencial à sua atividade.
Por mais que, nos termos do art. 49, §
3.º, da Lei nº 11.101/2005, o crédito garantido fiduciariamente não se sujeite
aos efeitos da recuperação judicial, há, na parte final do referido
dispositivo, ressalva quanto à venda ou retirada do estabelecimento da empresa
daqueles bens de capital tidos como essenciais à atividade empresária, durante
o período de suspensão previsto no art. 6.º, § 4.º, da Lei nº 11.101/2005.
Dessa forma, apesar de o crédito ser
incontestavelmente não sujeito à recuperação judicial, por expressa previsão
legal e em decorrência da pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) (v.g. STJ,
REsp n. 1.263.500/ES, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j.
05/02/2013), o credor fiduciário fica impossibilitado de perquirir a retomada
da posse do bem objeto da garantia (v.g.
STJ, REsp n. 1.660.893/MG, Rel Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma,
j. 08/08/2017).
Voltando ao contexto da ação de busca e
apreensão, reconhecida a essencialidade do bem, o credor, não mais podendo
retomar a sua posse, poderá, portanto, requerer que seja convertida a ação
expropriatória em execução de título extrajudicial.
Neste ponto, com efeito, entra em cena
complexa discussão a respeito da dicotomia entre a configuração (ou não) de
renúncia tácita à garantia fiduciária pelo credor quando se vê obrigado a
transformar a ação de busca e apreensão em uma execução de título
extrajudicial, passando, dessa maneira, a perquirir o valor do título de
crédito.
Como visto, os créditos com garantia fiduciária
possuem a natureza de não se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial da
empresa devedora. Contudo, caso queira, o credor fiduciário poderá renunciar
aos privilégios da não sujeição e passar a integrar a classe de credores
quirografários, cujo crédito será adimplido nos moldes do plano de recuperação
judicial aprovado em assembleia geral de credores e homologado pelo juízo
competente.
No entanto, para que surta seus devidos
efeitos e, assim, sujeite o crédito à recuperação judicial, a renúncia deverá
ocorrer de forma expressa pelo
credor fiduciário, cabendo, excepcionalmente, a presunção de abdicação do
direito (v.g. STJ,
REsp nº 1.338.748/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j.
02/06/2016).
Isso decorre da interpretação do art.
66-B, § 5º, da Lei nº 4.728/1965, que prevê a aplicação à alienação e cessão
fiduciárias do art. 1.436 do Código Civil, que, muito embora verse
especificamente sobre a extinção do penhor, estabelece que a sua renúncia
somente se perfaz de maneira expressa (inc. III), cabendo a sua presunção em
restrita hipótese (§ 1º).
Visto isso, sob o viés específico do
tema aqui abordado, não há no STJ precedente qualificado ou jurisprudência
dominante, de modo que, até o momento, os Tribunais de Justiça divergem em seus
entendimentos sobre a configuração ou não de renúncia à garantia fiduciária.
A título exemplificativo, recentemente,
no julgamento do Agravo de Instrumento nº 0074187-26.2021.8.16.0000, a 18ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná entendeu que o credor,
ao requerer a conversão da ação de busca e apreensão em execução de título
extrajudicial, em razão da essencialidade do bem à empresa em recuperação
judicial, estaria tacitamente renunciando à garantia fiduciária que permeia o
seu crédito, pois, ao assim proceder, o credor poderia cobrar a integralidade
da dívida por via oblíqua, deixando de ocupar a posição de proprietário
fiduciário (v.g.
TJPR, 18ª Câmara Cível, 0074187-26.2021.8.16.0000, Rel. Des. Pericles Bellusci
de Batista Pereira, j. 20.04.2022).
Em sentido diverso, a 1ª Câmara
Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
ao julgar o Agravo de Instrumento nº 2074476-14.2019.8.26.0000, entendeu que o
requerimento de conversão da ação de busca e apreensão em ação de execução é
direito do credor (art. 4º do Decreto-Lei nº 911/69) e, por conseguinte, não
altera a natureza do crédito, eis que não houve, por parte do credor, a prática
de qualquer ato apto a criar uma incompatibilidade com a garantia fiduciária,
mantendo-se, portanto, a sua não sujeição aos efeitos da recuperação judicial
da empresa devedora (v.g.
TJSP; 2074476-14.2019.8.26.0000; Rel. Des. Fortes Barbosa, 1ª Câmara Reservada
de Direito Empresarial, j. 29/05/2019).
Assim sendo, muito embora não exista, na
jurisprudência, posicionamento consolidado sobre o tema, tende-se à conclusão
de que o credor não está tacitamente renunciando à garantia fiduciária do seu
crédito ao requerer a conversão da ação de busca e apreensão em execução de
título extrajudicial, pois, consoante destacado, nos termos do entendimento
adotado pelo STJ, a renúncia à garantia fiduciária somente ocorre quando feita
de maneira expressa, de modo que a sujeição do crédito aos efeitos da
recuperação judicial apenas ocorrerá se assim declarar o credor.
* André Meyer Albiero é advogado no
escritório Medina Guimarães Advogados. Bacharel em Direito pela Universidade
Estadual de Maringá.
Sobre o escritório Medina Guimarães Advogados – Comprometido com o propósito de conciliar diversas áreas da advocacia com constante aprimoramento teórico e científico, o escritório Medina Guimarães Advogados, fundado em 2005 pelos advogados José Miguel Garcia Medina e Rafael de Oliveira Guimarães, é referência em casos referentes a Tribunais Superiores, recuperação estratégica de créditos bancários, recuperação e reestruturação de empresas e falências e contencioso cível e direito contratual. Hoje, integram a equipe do escritório outros advogados e todos os membros da equipe têm como propósito concretizar o projeto iniciado em 1995: conciliar a advocacia, em suas mais diversas áreas, com constante aprimoramento teórico e científico. Assim, o escritório conta com uma equipe de advogados altamente qualificados que, para alcançar a excelência em seus trabalhos, investe constantemente em cursos de pós-graduação stricto e lato sensu.
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