Eleições 2022: sobram ataques, faltam compromissos
Samuel Hanan*
A campanha dos dois
candidatos a presidente da República dedica a acusações recíprocas parte
significativa do tempo da propaganda eleitoral gratuita veiculada no rádio e na
televisão nesse segundo turno. De um lado e de outro sobram imputações sobre
corrupção, petrolão, eletrolão, mensalão, rachadinhas, orçamento secreto e
outros escândalos que há anos ocupam espaço na mídia. Outra boa parte do tempo
é reservada a esforços para mostrar a generosidade e compaixão dos candidatos
com os menos favorecidos. Programas, ideias e compromissos ficam em segundo
plano, o que se repete também nos debates.
A duas semanas das
eleições, apenas, os candidatos continuam ignorando que o interesse maior dos
mais de 156 milhões de eleitores é sobre o programa de governo. Os brasileiros,
com todo o direito, querem saber o que será feito nos próximos quatro anos para
melhorar a sua vida. A História nos deixou um grande exemplo: Juscelino
Kubitschek, que governou o Brasil de 1956 a 1961 com base em um Plano de Metas,
composto de 30 itens, dos quais 82% foram cumpridos.
Obviamente, o eleitor
tem interesse no comportamento ético e moral de cada candidato, em como eles
enxergam e pratica a religião, como se comportaram no passado e como atuam no
presente. Entretanto, a preocupação maior está no programa de metas de quem se
propõe a governar o país, inclusive no combate à avassaladora corrupção, à
redução dos privilégios, à diminuição das desigualdades sociais e regionais.
Saturado de ataques
pessoais – tão comuns em tantas eleições -, o brasileiro deseja mesmo é saber o
que fará o candidato, uma vez eleito, quando fará e como fará. O cidadão quer
conhecer quanto custará ao governo tirar do papel cada promessa. De onde virão
os recursos? Pagaremos mais impostos? O país se endividará mais? São perguntas
que permanecem sem respostas. Algumas delas sequer são formuladas aos
candidatos, como se não fossem absolutamente necessárias ao futuro do Brasil.
As raras propostas apresentadas – entre um ataque e outro ao adversário –
mostram-se superficiais, genéricas, sem demonstração clara de viabilidade
técnica e econômica, sem apontamento de seus custos e das fontes de recursos
para sua implementação. Se nos debates fosse acionado um polígrafo sonoro para
apitar a cada mentira contada, nenhum candidato se atreveria a falar os
absurdos que enganam os eleitores.
Na educação, por
exemplo, não se tem um proposta bem definida – de nenhum lado – sobre questões
absolutamente prioritárias: implantação de escola em tempo integral no ensino
fundamental e no ensino médio, atualização das grades curriculares para atender
aos novos ramos do conhecimento, às modernas demandas do mercado e às
inovações tecnológicas, a universalização do ensino técnico e
profissionalizante, a revolução do ensino da matemática, o domínio sobre a
língua portuguesa e o idioma inglês, e a remuneração digna dos professores, em
todos os níveis.
Qualquer cidadão que
assiste ao Horário Eleitoral Gratuito ressente-se do compromisso dos candidatos
sobre aumentar a capacidade do Sistema Único de Saúde (SUS) - cujo valor se
evidenciou na pandemia – e sobre a atualização da remuneração dos serviços,
hoje com tabela aviltada, comprometendo os equipamentos de saúde que compõem a
rede.
Não se viu, igualmente,
qualquer compromisso sério na questão do saneamento básico, com comprometimento
de metas para universalização de água tratada e para o esgotamento sanitário,
questões que impactam diretamente na qualidade de vida e na saúde pública.
Sobre habitação, a
população sem-teto ou que paga aluguel ainda não conseguiu saber quantas
unidades habitacionais um ou outro candidato se propõe a construir por ano até
o final do mandato. Ninguém se comprometeu, por exemplo, a edificar moradias
com pelo menos 40m² e dotadas de sistema de captação de energia fotovoltaica,
que reduz a conta de luz das famílias. Somente essa economia contribuiria com
mais da metade do valor da prestação mensal. Isso sim seria um auxílio
permanente, nos moldes do Bolsa Família ou do atual Auxílio Brasil, com grande
impacto social.
Quando o assunto é
segurança pública, nenhum compromisso se viu sobre aprimorar o controle dos
mais de 10 mil km de fronteiras, portos e aeroportos, com aumento expressivo
dos contingentes da Polícia Federal e das Forças Armadas para sufocar o
contrabando de armas e drogas que alimentam as organizações criminosas,
fomentam o vício e a destruição de famílias, e aliciam os jovens para o mundo
do crime. Da mesma forma, não há proposta concreta para a revisão do Código
Penal, ultrapassado, visando ao endurecimento de penas relativas às ações
criminosas envolvendo menores, corrupção, estupro e outros crimes hediondos.
É inconcebível que numa
campanha presidencial a necessidade de se fazer uma reforma tributária tenha
sido tratada, até agora, tão superficialmente. Nada se falou em reduzir
drasticamente tributos sobre o consumo, e se necessário, aumentar os tributos
sobre a renda e o capital; ninguém se dispôs a atacar efetivamente essa que é a
maior fábrica de pobreza do País, fonte permanente de concentração de renda. Os
candidatos parecem ignorar que o caminho está na redução drástica da tributação
sobre gêneros alimentícios, produtos de higiene pessoal, limpeza doméstica,
vestuário básico, medicamento, combustíveis do transporte coletivo e de carga,
e gás de cozinha, de forma a torná-los mais acessíveis à população mais pobre
e, no caso dos combustíveis, baratear o custo final dos produtos de primeira
necessidade, principalmente.
O que a população
gostaria de ouvir dos candidatos é a priorização da geração de emprego, com
melhor distribuição de renda caminhando junto, como bom indicador de Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH). Há também outras medidas de caráter urgente com
as quais os candidatos deveriam se comprometer, entre elas alterações
legislativas para a redução drástica do foro privilegiado, para tornar
imprescritíveis os crimes cometidos contra a administração pública, para
permitir a prisão após condenação em segunda instância, e para proibir que réus
(assim definidos por colegiado de segunda instância) disputem cargos eletivos.
Infelizmente, nada disso é tema da campanha, assim como quase nada se fale
sobre propostas para cultura e esportes, embora ambos os candidatos tenham
maior tempo de rádio e TV nesse segundo turno.
É de se lamentar ainda
que esse silêncio se estenda também sobre a reforma política, necessária para
reduzir o número absurdo de partidos políticos, para acabar com a reeleição em
cargos do Executivo e para reduzir drasticamente ou eliminar o Fundo Eleitoral,
verdadeiro feudo e fonte de poder para os grandes partidos e seus líderes,
contrassenso num país que clama por menos privilégios e mais transparência.
Há muitos assuntos
essenciais à Nação cujos compromissos os dois candidatos deveriam explicitar ao
povo brasileiro em vez de perderem tempo com ataques mútuos que nada
acrescentam à democracia. O debate de ideias, propostas e programas de governo
seria, sem dúvida, muito mais salutar ao País. Daria ao eleitor muito mais elementos
para ele definir conscientemente seu voto e mais instrumentos para ele cobrar o
eleito, no futuro. Talvez os candidatos tenham medo justamente disso.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br
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