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Qual é o som da liberdade?

Marco Antonio Spinelli*

O influencer digital Felipe Neto foi uma voz de peso que se levantou contra os desmandos do governo e da pessoa de Jair Bolsonaro. Chegou a ser intimado a depor e ameaçado de enquadre na Lei de Segurança Nacional quando chamou o então presidente de genocida. Mas o principal ataque que recebeu foi na forma de Fake News, onde foi classificado como um pedófilo, sem nenhuma evidência para fundamentar o ataque, o que é um procedimento meio básico das redes de ódio e lacradores da vez.

Como já descrevi em outros artigos, as Redes de Ódio se utilizam dos sentimentos e das sensações de Nojo e Medo para realizar a inserção de falsas informações e falsas verdades no Cérebro de pessoas mais vulneráveis e com pouco senso crítico. Existem, sobretudo nos Estados Unidos, redes de Teorias da Conspiração associando adversários, normalmente liberais ou mais progressistas, com redes de tráficos de crianças, Canibalismo e Pedofilia. Parece bizarro e improvável que alguém vá acreditar nisso, mas o fato é que, quanto mais bizarro, quanto mais repugnante, mais fácil de entrar em certos miolos moles.

Digo isso para examinar a polêmica envolvendo o filme “Som da Liberdade”, do cineasta Alejandro Monteverde. Esse filme foi realizado em 2018 e levou cinco anos para chegar aos cinemas, com várias tentativas de ser cancelado, arquivado e ridicularizado por algumas mídias. Me chamou a atenção que esse filme tenha peitado vários blockbusters lançados na mesma época, como “Indiana Jones”, com um orçamento de marketing infinitamente menor. A história, baseada até certo ponto em eventos reais, de um ex agente da CIA que abandona seu país e família para resgatar duas crianças roubadas e vendidas por traficantes em redes de escravidão e pedofilia na Colômbia, parecia um projeto válido e elogiável. O fato de ficar cinco anos engavetado e sair para o sucesso, também chamava a atenção.

Não comprei a ideia que as redes de traficantes de crianças tem representantes ocultos nas altas esferas de Hollywood, por isso o interesse em engavetar o filme. O mesmo ser apoiado por Elon Musk e Donald Trump também não é algo que melhore a credibilidade do projeto. Quando “Som da Liberdade” chegou ao Brasil, acabei comprando um ingresso e fui pegar uma matinê. Felizmente, não comprei pipoca.

Como obra cinematográfica, o filme tem cenas impressionantes e angustiantes, a violência contra crianças é algo que mexe com nossos sentimentos mais viscerais. Jim Caviezel, que eu pessoalmente acho um ator muito interessante, empresta emoção e compaixão ao ex agente da CIA, Tim Ballard. A direção e os personagens são superficiais, com oposição entre os mocinhos santarrões e os bandidos pedófilos muito extremadas. O filme também é acusado de florear demais os fatos e transformar Tim Ballard num super herói caçador de pedófilos, com trechos que realmente nunca aconteceram, como ele se embrenhar na selva amazônica da Colômbia para salvar a menina, Rocio, das mãos de pedófilos terroristas. De esquerda, claro.

As bilheterias do filme também foram questionadas, com imagens em redes sociais de cinemas vazios, com todos os ingressos vendidos. Havia organizações, religiosas e políticas, que estariam inflando a bilheteria e comprando ingressos, coisa que já aconteceu aqui no Brasil.

O que se lamenta muito é que uma denúncia importante, numa América Latina com tantas e tantas crianças desaparecidas, caia nessa vala de disputa ideológica de wokes e ultradireitistas filiados ou não a Igrejas. Eu lamento tanto ver o filme atacado violentamente pela mídia bacana, quanto ver suas imagens usadas com fins políticos, para validar Fake News e Teorias da Conspiração.

Parece que esse é o mundo que vamos ter que nos acostumar a viver, em que separar o joio do trigo será uma tarefa árdua, constante, para evitar os excessos de um lado e de outro. E exercitar o equilíbrio e a equanimidade vai te fazer um alvo dos extremistas e dos desavisados.  

 

*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”

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