Últimas

Análise de Caráter e o tratamento dos transtornos de ansiedade



O Brasil tem a maior taxa de pessoas com transtornos de ansiedade do mundo. No total, 18,6 milhões de brasileiros vivem com algum transtorno de ansiedade segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Ansiedade vem do latim anxietas, anguere, que significa “apertar, sufocar”, angústia.

Ansiedade e angústia têm etiologias distintas, mas do ponto de vista fenomenológico, daquilo que é experimentado, são semelhantes. A ansiedade relaciona-se difusamente com uma expectativa de que algo desagradável ou temido aconteça do ponto de vista psicológico. Mas não tem necessariamente objeto, ou seja, nem sempre quem vive a ansiedade sabe com o que ou por que está ansioso.

É importante notar que não é a expectativa em si que gera ansiedade, ou melhor, há expectativas que são vividas como muito agradáveis, como na véspera de uma viagem muito desejada, por exemplo. Como a ansiedade pode ter base neurótica, e como toda neurose implica conflito consigo mesmo por parte de quem a vive, a mesma situação (viagem) pode ser causa de profunda ansiedade para alguém, ao mesmo tempo que muito desejada.

Como há gradações das manifestações da ansiedade - desde a ansiedade neurótica, passando pela ansiedade generalizada, desordem do pânico e estresse pós- traumático – os sintomas físicos variam de tensão corporal, agitação e inquietude, respiração curta e rápida, distúrbios gástricos até dor no peito, vertigens, perda de equilíbrio, sensação de sufocamento, parestesias, sudorese intensa e tremores.

Na história do pensamento freudiano, a ansiedade ganha duas descrições distintas:

Num primeiro momento Freud define a reação de ansiedade como sendo a resultante da “conversão” (transformação) da libido em angústia. Há nessa descrição um fator quantitativo – libido como energia. Num segundo momento, a ansiedade é descrita como “sinal do ego”, ou seja como a ativação de um sinal de alerta de que haveria a presença de um perigo iminente. Perigo este que ameaçaria não a integridade física, mas sim a integridade psíquica. Como quando um determinado impulso ameaçasse romper as barreiras do recalcamento e surgir à luz da consciência novamente. Ao contrário do perigo que ameaça a integridade física, esse perigo “vem de dentro”, e não de fora, do mundo. Claro que essa é a descrição de uma dinâmica que se dá num plano inconsciente.

Na perspectiva reichiana, de forma sintética, podemos dizer que há uma mescla destes dois tipos no entendimento da ansiedade. Se Freud encontrou razões para abandonar a primeira concepção, Reich ao contrário encontrou evidências clínicas daquilo que chamou estase ou acúmulo de energia sexual, condição esta fruto da psiconeurose. Este acúmulo leva à uma intensificação do investimento dos impulsos recalcados, demandando maior esforço para contenção e portanto, de forma circular, um grau maior de “ameaça” que surge igualmente como sinal do ego.

Na clínica de base psicanalítica o tratamento é conduzido através da interpretação dos impulsos recalcados. Na clínica reichiana, onde a neurose é entendida como tendo não somente uma dimensão psíquica, mas também somática ( a contrapartida somática da neurose psíquica apresenta-se corporalmente em forma de tensões musculares, viscerais e descontrole de ritmos de funcionamento), o tratamento inclui também a possibilidade de utilização de técnicas e ferramentas que visam afetar essa dimensão somática. Há duas frentes de trabalho, não somente uma.

Na clinica reichiana trabalhamos também com a técnica da análise do caráter, além do acesso à dimensão somática das desordens emocionais.

A análise do caráter foca não só nos “conteúdos ideativos” – comunicação verbal, sonhos, etc – mas também, em especial, nos modos de comportamento ou atitudes. Resumindo, o “jeitão” de cada paciente é visto como material de trabalho, haja vista que esse “jeito” sintetiza a história do desenvolvimento psico-sexual de cada um.

Uma pessoa pode ter características mais agressivas, outra ser mais tímida e reservada, outra ainda pode ser “escorregadia” e não ser comprometer claramente com nada, etc. Cada um desses modos de comportamento é visto como pertinente não só à história de cada um, mas também como evidenciando suas limitações e dificuldades, aquilo que chamaríamos “neurose”.

Como cada modo de funcionamento é também modo de defesa e condensa as dificuldades de cada um, focar nisso na análise leva à situações onde experiências afetivas e sensoriais intensas fazem parte do dia a dia de cada sessão.

Por razões culturais, estamos acostumados a pensar que coisas como “mente” e “psiquismo” são idênticos, ou localizáveis, no cérebro e etc. Assim, “analisar” no sentido tradicional seria algo como produzir “conhecimento”, esclarecimento, etc.

Não que isso não seja importante. Por outro lado, a ênfase na abordagem da análise do caráter fica no que é EXPERIENCIADO nas sessões, pra só depois o “entendimento” tornar-se necessário, e , produtivo. Por isso, podemos dizer que , nessa concepção, “psiquismo” é uma propriedade do ORGANISMO COMO UM TODO, tendo, inclusive, aspectos corporais, fisiológicos, muito importantes. A partir do referencial reichiano é possível identificar e compreender como, na desordem do pânico, aspectos fisiólogos (mas à serviço da vida emocional) tem que necessariamente serem levados em consideração no tratamento.

Nicolau José Maluf Júnior é Psicólogo, Analista Reichiano, Doutor em História das Ciências, Técnicas e Epistemologia pelo HCTE/ UFRJ. Coordenador do IFP-REICH.

Nenhum comentário