Jurista explica o que pode acontecer aos réus da Boate Kiss
Quatro pessoas são acusadas por 242 homicídios
dolosos e 636 tentativas de homicídio
Apesar de
serem pronunciados e julgados por homicídio doloso, quando há intenção de
matar, os quatro acusados pelas 242 mortes e 636 tentativas de homicídio no
incêndio da Boate Kiss podem ser condenados pelo crime na modalidade culposa,
quando não há intenção de matar, o que reduziria significativamente a pena a
que estão sujeitos. A jurista,
mestre em Direito Penal e especialista em Tribunal do Júri, Jacqueline Valles,
explica que os jurados têm nas mãos o poder de desqualificar o dolo das acusações
que pesam sobre os réus.
Pelas regras
do Tribunal do Júri, eles têm que responder quatro perguntas que definem o
curso do julgamento. “Eles
serão questionados se o réu cometeu o crime e se o cometeu de forma dolosa, com
a vontade expressa de provocar as mortes. Se essa resposta for não, o dolo é
desclassificado e o processo é remetido ao juiz da Vara Criminal. Em nome da
economia processual, o próprio juiz pode sentenciar os réus por homicídio
culposo”, explica a jurista, do escritório Valles
& Valles.
Os empresários
e sócios da casa noturna, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, o músico Marcelo
de Jesus dos Santos e o produtor musical Luciano Bonilha Leão são acusados de
242 homicídios dolosos e 636 tentativas de homicídio. “A acusação terá a missão de provar que
os quatro agiram de forma deliberada com o objetivo de provocar as mortes para
que os jurados os condenem por homicídio doloso. E a defesa terá que mostrar
que as ações dos quatro não tiveram a intenção de provocar essa tragédia”,
comenta a criminalista.
Em 27 de
Janeiro de 2013, o músico Marcelo de Jesus dos Santos acendeu um sinalizador
dentro da boate Kiss, em Santa Maria (RS), provocando um incêndio. As faíscas
incendiaram a espuma que fazia o isolamento acústico, liberando gases tóxicos
que mataram inúmeras vítimas por sufocamento.
Tragédia completou oito anos em janeiro de 2021
(Foto: Fernando
Frazão/ Fotos Públicas)
As
investigações mostraram que o isolamento acústico era inadequado, a boate
estava superlotada, não havia extintores de incêndio em quantidade adequada e
havia problemas nas saídas de emergência.
Foram essas
descobertas que levaram o Ministério Público a denunciar os réus por homicídio
doloso. “Existem duas
maneiras de cometer um homicídio. A primeira é a dolosa, quando a pessoa age de
forma deliberada a provocar as mortes porque esse é seu objetivo. A segunda é
quando a pessoa age de forma imprudente, negligente e isso provoca o crime, é o
chamado homicídio culposo”, explica a criminalista.
Jacqueline conta que
existe, ainda, o dolo direto e o indireto. “A única diferença entre os dois é a circunstância adotada
para atingir o objetivo, porque a ideia é a mesma: nesse caso da boate Kiss, a
vontade de matar. Quando as pessoas falam ‘ele assumiu o risco’, estão falando
do dolo indireto, também conhecido como dolo eventual. E para condenar alguém
por essa situação é preciso identificar no réu a vontade de matar. O julgamento
deste caso é sobre isso: identificar nos réus a vontade de provocar a morte de
242 pessoas. Sobre isso que os jurados vão deliberar”, diz
a jurista.
Isenção
Jacqueline
conta que a comoção gerada pela tragédia tem o poder de influenciar a decisão
dos jurados e até mesmo do sistema Judiciário. Para minimizar esse risco, o
Júri será realizado em Porto Alegre. “Quando
um fato gera muita comoção social, é preciso garantir a isenção dos jurados. Se
o julgamento fosse mantido em Santa Maria, eles poderiam ser fortemente
influenciados, já que a cidade é pequena e a chance de conhecer alguma vítima
da tragédia é grande”, explica.
A jurista e advogada criminalista Jacqueline Valles
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