A corrida por aquisições no setor de hospitais
Estevão
Seccatto Rocha
Alguns fatores têm
contribuído para o aumento do número de empresas gestoras de hospitais, abrindo
capital com elevados múltiplos de avaliação, culminando numa corrida pela
consolidação do setor. Fatores macro como o aumento da expectativa de vida, o
aumento da renda média familiar, o fraco serviço e leitos insuficientes do SUS,
entre outros, contribuem para a atratividade desse mercado, que tem como
principais players listados em bolsa a Rede D’Or, Mater Dei, e Kora Saúde.
Interessante notar que o Brasil possui 2,4 médicos por mil habitantes, mesma
taxa do Japão e próxima dos Estados Unidos (2,6), Canadá (2,7) e Reino Unido
(2,8), mas ainda ocupa a 37ª posição no que tange aos gastos per capita na área
de saúde, gap que
espero ser estreitado nos próximos anos.
As empresas atuantes
nesse segmento foram, em sua maioria, formadas por médicos que ao longo de
décadas geriram as instituições como braços de suas práticas médicas, de forma
que a profissionalização em geral foi tardia. É bastante comum encontrar
hospitais, por exemplo, constituídos por sociedades de dezenas de médicos, com
baixas margens operacionais, elevadas dívidas e passivos fiscais, enquanto as
receitas e dividendos são mantidos nas pessoas físicas desses profissionais.
Isso não significa que o negócio em si é ruim, mas apenas mal gerido. Isso é um
prato cheio para empresas estruturadas realizarem aquisições, reestruturarem
operações e capturarem um valor grande deixado na mesa pelos sócios antigos.
A fragmentação e
ausência de gestão profissional (em escala adequada) também é uma tese
interessante para fundos de private
equity entrando no setor objetivando consolidação, como o caso da
Athena Saúde do Pátria, fundada em 2017 com a aquisição do Grupo Med Imagem no
Piauí, e uma série de aquisições desde então, cujo IPO (almejando R$2,5 bilhões
de captação) que deveria ocorrer esse ano foi postergado para um futuro não
muito distante.
A Rede D’Or (8.788
leitos), com IPO de R$11,4 bilhões (dez/20), realizou 17 aquisições desde 2010,
e aparece como líder no setor, com receita bruta dos últimos 12 meses (base
2T/21) de R$ 20,1 bilhões (R$2,3 milhões/ ano/ leito) e EBITDA de R$5,2 bilhões
(25,7%), com dívida líquida equivalente a 1,7x seu EBITDA.
A Mater Dei (646
leitos), IPO de R$1,4 bilhões (mai/21), iniciou sua estratégia de aquisições em
julho/21 com a aquisição do Grupo Porto Dias (maior rede privada de hospitais
da região Norte), por R$1,1 bilhões (R$800 milhões pagos com caixa). A Mater
Dei teve nos últimos 12 meses (base 2T/21) de receita bruta de R$ 965 milhões
(R$1,5 milhões/ ano/ leito) e EBITDA de R$249 milhões (25,8%), e em junho tinha
caixa líquido de R$1,1 bilhões, o que deve reduzir para R$300 milhões com
aquisição recente.
A Kora Saúde (1.096
leitos), que já havia adquirido 2 operações entre fevereiro e julho/2021,
realizou seu IPO de R$770 milhões (ago/21) e anunciou as primeiras aquisições,
ainda que tímidas, do hospital são Mateus em Fortaleza e do Instituto de
Neurologia de Goiânia. A Kora teve nos últimos 12 meses (base 2T/21) Receita
Bruta de de R$ 891 milhões (R$810 mil/ ano/ leito) e EBITDA de R$167 milhões
(18,7%), e em junho/21 tinha dívida líquida equivalente a 10x seu EBITDA,
alavancagem considerável que, considerando os recursos do IPO, caiu para 5,7x.
Quando olhamos para o Enterprise Value (valor das
ações mais dívida líquida), temos a Rede D’Or avaliada em 28x EBITDA (R$16,4
milhões/leito), a Mater Dei avaliada em 26x EBITDA (R$10,1 milhões/leito) e a
Kora avaliada em 40x EBITDA (R$6,1 milhões/leito). As avaliações (R$/leito) das
empresas listadas superam múltiplas vezes o valor de aquisição por leito das
empresas adquiridas, que em média, analisando as principais aquisições do setor
desde 2010, foi de R$1,5 milhões por leito. A tese de consolidação parece fazer
sentido, uma vez que, além dos benefícios da diluição de custos e ganhos de
sinergia, tem como vantagem a arbitragem de múltiplos (comprar barato e
“vender” caro). Os elevados múltiplos das listadas carregam uma expectativa do
mercado, de aumento substancial do fluxo de caixa livre nos próximos anos, que
precisa ser comprovado na prática, com a entrega de retornos sobre o capital
investido pelos acionistas.
Comparando as 3
empresas, alguns pontos me chamam a atenção: (i) elevada alavancagem da Kora,
que limita sua capacidade de crescimento com dívida. O crescimento via
aquisição precisaria ser financiado com equity
num possível follow on (nova
emissão de ações), entretanto, o valuation
da empresa já está consideravelmente superior às demais comparáveis, o que
provavelmente forcaria uma captação com diluição maior dos acionistas atuais,
ainda, sua Receita e EBITDA por leito são bem menores do que seus comparáveis;
(ii) apesar de ser 20x maior que a Mater Dei, e possuir receita por leito
também maior, a Rede D’Or tem EBITDA/Receita Bruta ligeiramente menor, o que me
leva a conclusão que podem existir ainda sinergias a serem capturadas pela Rede
D’Or em suas aquisições; e (iii) a Mater Dei possui caixa líquido, e
possibilidade de alavancagem saudável, ou seja cerca de R$1,0 bilhão adicionais
que lhe permitiriam adquirir cerca de 700 leitos adicionais (considerando os
388 leitos adquiridos recentemente, a empresa aumentaria em 157% seu número de
leitos), que, considerando o “spread” entre o múltiplo atual e o múltiplo médio
de aquisição do setor, podem gerar valor interessante.
Saliento alguns pontos
de cautela: (i) os múltiplos de avaliação por leito adquirido tenderão a
aumentar no futuro tornando as aquisições mais caras, (ii) os desafios da
integração/ consolidação de operações, que não são fáceis, portanto, considerar
com parcimônia os ganhos de sinergia; e (iii) levar em conta que o ano de 2021
foi favorável aos operadores hospitalares, dada a 2ª onda do Covid. Houve
melhora dos resultados de curto prazo. Assim, assim recomendo uma análise mais
detalhada, desconsiderando o efeito não-recorrente, para determinação do um
fluxo de caixa de longo prazo, dado que o lucro por leito pode cair quando comparado
com os últimos 12 meses. Note que os resultados das operadoras de planos de
saúde (que são a contraparte dos hospitais), como Hapvida/GDNI/Bradesco/Sul
América, tiveram queda abrupta nos lucros dos no mesmo período.
A presente análise foi
realizada com informações disponíveis publicamente, não sendo recomendação de
aquisição ou investimento. Avaliações bem mais aprofundadas se fazem
necessárias afim de tomadas de decisão.
* Estevão Seccatto Rocha é professor de Turnaround na FIA Business School. Engenheiro naval (Poli/USP), extensão em economia (Harvard), finanças e marketing (FEA/USP), tecnologia (Singularty University), mestrando (University of Liverpool). Foi head global de M&A da Atento (NYSE), reestruturador de empresas pela KPMG e IVIX , diretor da G4S (LSE) e associado no private equity Artesia. Assessorou mais de uma centena de empresas.
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