Medida Provisória permite adoção pelo Brasil de retaliação unilateral
Por Luciana M. de Oliveira
e Luciano Inacio de Souza
O Governo Federal enviou, em 27 de
janeiro de 2022, ao Congresso Nacional a Medida Provisória n. 1.098/2022.
O texto enviado prevê que o Brasil passará a ter legitimidade para adotar
suspensão de concessões ou de outras obrigações, na hipótese de descumprimento
de de obrigações multilaterais, inclusive no que diz respeito a direitos de
propriedade intelectual. A medida de suspensão de concessões também é conhecida
como retaliação econômica a ser imposta em face de parceiros comerciais que
foram considerados perdedores pelo painel da Organização Mundial do Comércio
(OMC) e apelaram ao Órgão de Apelação da Organização, atualmente paralizado.
A possibilidade de suspender concessões
ou outras obrigações, de forma unilateral, também denominada de retaliação
unilateral, a ser autorizada pelo Poder Executivo, terá lugar diante de países
com os quais o Brasil litigou no Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da OMC
e venceu os pleitos, ainda na fase do painel. Nestes casos, em específico, o
painel emitiu uma decisão recomendatória condenando os países pela prática de
medidas comerciais ilícitas sobre exportações brasileiras, de acordo com as
regras constantes nos acordos da OMC, sobretudo, Acordo sobre Agricultura
(AsA), Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC), Acordo Antidumping,
os mais comumente violados, mas não apenas.
A regra prevista na Medida Provisória,
caso aprovada, é clara ao autorizar o Poder Executivo a retaliar
proporcionalmente e de forma unilateral produtos e serviços importados pelo
Brasil do país vencido, inclusive no que tange a direitos de propriedade
intelectual, tendo em vista a existência de decisão recomendatória por parte do
painel, primeira instância do OSC da OMC. Ademais, é necessário que o país
perdedor tenha recorrido ao Orgão de Apelação, em uma prática conhecida por
“apelação no vazio”, diante da atual inoperância da última instância
jurisdicional da OMC.
O Órgão de Apelação encontra-se,
atualmente, paralisado, tendo em vista a não indicação de novos nomes a integrar
o corpo de árbitros pelos Estados Unidos. Durante o período em que estava
ativo, o Órgão de Apelação era integrado por 7 juízes, nomeados para exercerem
mandatos de 4 anos pelo OSC. O Órgão de Apelação constitui a segunda instância
do OSC da OMC, ou seja, a última etapa do sistema de solução de controvérsias
da OMC para a análise jurídica das disputas comerciais.
Ainda não é possível determinar com
certeza, mas provavelmente os primeiros pleitos brasileiros para a aplicação de
medidas retaliatórias unilaterais seriam em relação às vitórias brasileiras
obtidas em face da Índia, na disputa do açúcar, vencida recentemente pelo
Brasil, em janeiro de 2022, e em face da Indonésia, no contencioso envolvendo
barreiras à importação de carne de frango, vencida em dezembro de 2020. Em
regra, uma medida de retaliação econômica ocorre na forma de cobrança de uma
sobretaxa sobre bens e serviços importados pelo Brasil dos países vencidos, ou
na forma de suspensão de direitos de propriedade intelectual do país perdedor,
quando emprega-sea retaliação cruzada.
Tendo em vista que o Brasil não importa
açúcar e nem carne de frango desses países, provavelmente a retaliação
unilateral se daria em outros setores estratégicos de bens e serviços, ou por
meio da suspensão dos direitos de propriedade intelectual. Em geral, os setores
indicados e escolhidos para a retaliação são aqueles cujo volume de comércio é
mais significativo, de forma a incomodar os países vencidos a ponto de
modificarem as suas políticas de comércio e retirarem as medidas ilícitas.
A Índia figura entre os dez principais
países de onde o Brasil importa produtos, tendo sido considerado o 7º principal
em 2020, e o 5º principal em 2021. Dentre os produtos mais importados pelo
Brasil da Índia, encontram-se, por ordem de valor monetário: compostos
organo-inorgânicos, compostos heterocíclicos, ácidos nucléicos e seus sais, e
sulfonamidas; inseticidas, rodenticidas, fungicidas, herbicidas, desinfetantes
e semelhantes; medicamentos, incluindo veterinários; óleos combustíveis de
petróleo ou de minerais betuminosos (exceto óleos brutos); compostos de função
nitrogênio; produtos da indústria de transformação; fios têxteis; medicamentos
e produtos farmacêuticos, exceto veterinários; partes e acessórios dos veículos
automotivos; e alumínio. No ano de 2021, os produtos mais importados da Índia
foram “adubos ou fertilizantes químicos” e “medicamentos mais utilizados para
os casos de coronavirus”. (Fonte: ComexStat)
Segundo levantamento também realizado
pela ComexStat, no ano de 2020, os principais produtos importados pelo Brasil
da Indonésia foram: gorduras e óleos vegetais; fios têxteis; equipamentos de
telecomunicações; partes e acessórios dos veículos automotivos; produtos da
indústria de transformação; calçados; produtos laminados; motocicletas e
bicicletas motorizadas; álcoois e fenóis; e compostos organo-inorgânicos.
Muito provavelmente, esses seriam os
bens e produtos, bem como setores que poderiam se beneficiar de uma potencial
retaliação cruzada tendo em vista as decisões existentes contra India e
Indonésia. Assim, é importante que empresas e associações monitorem possíveis
consultas públicas por parte do governo brasileiro aos setores comerciais
interessados em participar da lista de beneficiados pela retaliação. Com a possível
aplicação de sobretaxas à importação desses produtos, pelo mercado brasileiro,
estes ingressam no país a um preço mais elevado do que o de costume,
favorecendo a competitividade dos setores escolhidos da indústria local.
*Luciana Maria de Oliveira é advogada
associada do Cescon Barrieu Advogados na área de Comércio Internacional
* Luciano Inácio de Souza é sócio do Cescon Barrieu Advogados na área de Compliance, Penal Econômico, Investigações e ESG & Impacto
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