Alíquota uniforme de ICMS sobre combustíveis e a ineficácia da Lei Complementar 192/2022
*por Carolina Romanini Miguel
Após dois anos de recessão econômica
decorrente da pandemia de COVID-19, o mundo enfrenta agora as consequências
devastadoras da guerra entre Rússia e Ucrânia. As sanções impostas pelo
Ocidente ao maior exportador de óleo e gás natural do mundo têm acarretado
significativo aumento no preço dos combustíveis, como aplicado pela Petrobras
em 10 de março no preço da gasolina (18,7%,) e diesel (24,9%).
Para conter os reflexos negativos na
economia, o Congresso se mobilizou para alterar a tributação de determinados
combustíveis, o que resultou na edição da Lei Complementar 192/2022, que define
quais deles estarão sujeitos à incidência única do ICMS.
A nova Lei Complementar entrou em vigor,
mas sua aplicação relativamente ao ICMS depende de Convênio a ser firmado entre
os Estados, sem o qual permanece a tributação atual, (i) com incidência em
todas as etapas da cadeia comercial; (ii) alíquotas ad valorem, fixada pelos Estados
individualmente; (iii) não incidência sobre operações interestaduais; e (iv)
recolhimento ao Estado onde se verifica o consumo.
Com a edição da Lei Complementar
192/2022, as operações com (a) gasolina e etanol anidro combustível; (b) diesel
e biodiesel; e (c) gás liquefeito de petróleo, inclusive o derivado do gás
natural, passarão a ser tributadas pelo ICMS uma única vez, em princípio, na
saída do estabelecimento do produtor ou no desembaraço aduaneiro realizado pelo
importador. Registre-se que os Estados, através de Convênio, podem equiparar a
produtor outros participantes da cadeia comercial para fins de alterar o
momento da incidência única do ICMS, tal como o legislador determinou em alguns
casos para fins de incidência do IPI, gerando, inclusive, muitos
questionamentos.
Para esses produtos, a Lei Complementar
192/2022, com fundamento no artigo 155, da Constituição Federal, estabelece que
as alíquotas do ICMS:
- serão uniformes em todo o
território nacional, podendo ser diferenciadas por produto;
- serão específicas (ad rem), por unidade de
medida adotada; e
- poderão ser reduzidas e
restabelecidas no mesmo exercício financeiro, devendo ser observado apenas
o prazo de 90 dias.
Na hipótese de a única operação sujeita
à incidência do ICMS ocorrer entre Estados:
- nas operações com os
combustíveis derivados de petróleo, o imposto caberá ao Estado onde
ocorrer o consumo, tal como ocorre atualmente;
- nas operações interestaduais
com combustíveis não derivados de petróleo,
- entre contribuintes, o imposto
será repartido entre os Estados de origem e de destino, mantendo-se a
mesma proporcionalidade que ocorre nas operações com as demais
mercadorias, qual seja, o correspondente à alíquota interestadual (4%, 7%
ou 12%) ao Estado de origem e o diferencial de alíquota ao Estado de
destino; e
- destinadas a não contribuinte,
o imposto caberá ao Estado de origem.
As alterações legislativas, portanto,
não apenas interferem nas alíquotas do ICMS incidente sobre operações com os
mencionados combustíveis, como também alteram a definição do Estado competente
para exigir o imposto em operações interestaduais com produto não derivado de
petróleo.
Além de alterar o Estado competente para
exigir o ICMS sobre os combustíveis não derivados de petróleo, a obrigatoriedade
de aplicação de alíquota uniforme em todo o território nacional implicará um
aumento no valor do imposto em alguns Estados. É o que revela matéria publicada
em 16 de março pelo jornal O
Estado de São Paulo, ao trazer comentários do Secretário de Fazenda
de São Paulo, Henrique Meirelles, reconhecendo que a alíquota única a ser
fixada para os combustíveis acarretará aumento da carga tributária. Em
simulação de um valor fixo sobre o litro do diesel, o Estado de São Paulo teria
um aumento de aproximadamente 9,5% no valor do ICMS.
Convém destacar que a nova alíquota
nacional do ICMS deverá ser fixada pelos Estados também em Convênio, devendo
ser observadas as estimativas de evolução do preço dos combustíveis, “de modo que não haja ampliação do peso
proporcional do tributo na formação do preço final ao consumidor”
(art. 6º, § 5º). Esse parâmetro legal para a fixação das alíquotas tem
impossibilitado o consenso entre os Estados, principalmente porque, conforme
mencionado, haverá necessariamente aumento do ônus financeiro do ICMS incidente
sobre combustíveis em determinados Estados, como São Paulo. Esse fato, por si
só, poderia fundamentar o questionamento da alíquota em uma ação judicial, e a
consequente ineficácia da medida veiculada na Lei Complementar 192/2022.
O temor dos Estados em definir de forma
inadequada as alíquotas do ICMS é reforçado pelo fato de que estas poderão ser
reajustadas somente após 12 meses e, a partir de então, a cada semestre.
Excepcionalmente com relação ao diesel, enquanto não se chega a um consenso
sobre esses valores, até 31/12/2022, a base de cálculo do ICMS corresponderá à
média móvel dos preços médios praticados ao consumidor final nos 60 meses
anteriores à sua fixação, sendo dispensada a uniformidade de alíquotas até que
seja definida aquela ad rem.
Embora haja uma determinação legal para a adoção de alíquota uniforme no País,
não há um prazo para tanto, o que reforça a possível ineficácia da Lei
Complementar.
Há previsão constitucional da adoção de
incidência única do ICMS sobre determinados combustíveis, porém, a
obrigatoriedade constitucional de alíquotas uniformes no território nacional
tem gerado impasse entre os Estados, evidenciando a ausência de consenso sobre
o valor a ser utilizado e inaugurando mais um capítulo do complexo sistema
tributário nacional.
*Carolina Romanini Miguel é sócia da
área tributária do Cescon Barrieu Advogados
Sobre o Cescon Barrieu
O Cescon Barrieu é um dos principais escritórios de advocacia do Brasil, trabalhando de forma integrada em cinco escritórios no Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Brasília) e, também, em Toronto, Canadá. Seus advogados destacam-se pelo comprometimento com a defesa dos interesses de seus clientes e pela atuação em operações altamente sofisticadas e muitas vezes inéditas no mercado. O objetivo do escritório é ser sempre a primeira opção de seus clientes para suas questões jurídicas mais complexas e assuntos mais estratégicos. www.cesconbarrieu.com.br
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