Redução do IPI: um sinal da reforma tributária e os reflexos para a Zona Franca de Manaus
*por Carolina Romanini Miguel
No último dia 25 de fevereiro, o Governo
Federal publicou o Decreto nº 10.979, que prevê um corte linear de até 25% no
Imposto sobre Produto Industrializado (IPI). Para os automóveis de passageiros
e outros veículos automóveis principalmente concebidos para transporte de
pessoas, a alíquota em geral de 25% foi reduzida em 18,5%. Para os demais
produtos, exceto tabaco e seus sucedâneos manufaturados, as alíquotas diversas
foram reduzidas em 25%.
As alterações nas alíquotas do IPI pelo
Poder Executivo, com amparo no artigo 153 da Constituição Federal, foram
recebidas por alguns, como o Diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Bernard
Appy, como bondade ou “populismo
com o chapéu alheio”, seja porque prejudica a competitividade dos
fabricantes estabelecidos na Zona Franca de Manaus (ZFM), seja porque reduz o
volume do produto da arrecadação desse imposto obrigatoriamente repassado aos
Estados e Municípios.
Apesar dessas críticas, a medida adotada
pelo Poder Executivo pode ser compreendida como uma antecipação do que se
pretende implementar com a reforma tributária, há anos tramitando no Congresso
Nacional. Considerando que ambas as Propostas de Emenda Constitucional que
versam sobre o tema, PEC 45/2019 e PEC 110/2019, preveem a substituição de
diversos tributos, dentre os quais o IPI, pelo Imposto sobre Bens e Serviços
(IBS), a nova redução poderia ser considerada um experimento prévio da renúncia
a essa competência tributária pela União.
O IPI foi introduzido no Sistema
Tributário Brasileiro pela Reforma promovida pela Emenda nº 18/1965, em
substituição ao Imposto de Consumo, previsto nas Constituições de 1946 e tem
sido visto por empresários e tributaristas como desatualizado e prejudicial ao
desenvolvimento. A cobrança desse imposto torna demasiadamente onerosa a
atividade fabril, comprometendo a geração de empregos e desestimulando o setor
com polêmicas relacionadas à apropriação de créditos, classificação fiscal para
definição de alíquotas, equiparações ilimitadas de empresas a estabelecimento
industrial para fins de incidência ao longo da cadeia comercial, caracterização
de atividades como industrial, entre outras.
Segundo o Ministro Paulo Guedes, a
redução das alíquotas do IPI “é
o marco do início da reindustrialização brasileira após quatro décadas de
desindustrialização”. Tem razão o Ministro ao iniciar a extinção
gradual de um imposto incompatível com o mundo atual, sendo inclusive mais vantajoso
para a Administração tributar a cadeia comercial inteira com um imposto mais
simples e não cumulativo baseado no crédito financeiro.
Como toda mudança gera insatisfações (o
que inclusive tem prejudicado o andamento das mencionadas PECs para reforma tributária),
há notícias de que a Confederação Nacional de Municípios (CNM) já externou
descontentamento com a decisão do governo federal de reduzir a alíquota do
imposto e indicou que atuará junto ao Congresso Nacional na busca de medidas
financeiras compensatórias. Tais medidas podem ser adotadas a partir de estudos
das finanças públicas e realocação de receitas a serem repassadas aos
Municípios e Estados.
Outra questão debatida é a eventual
violação do art. 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT),
que manteve a ZFM com suas características de área de livre comércio, de
exportação e importação, e de incentivos fiscais. O vice-presidente da Câmara
dos Deputados, Marcelo Ramos (PSD-AM), afirma que a redução do IPI compromete
empregos de amazonenses, além de implicar a perda de competitividade da
indústria brasileira para a China.
Em relação ao alegado prejuízo à ZFM,
vale destacar que, em 11 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF), por
maioria de votos, julgou improcedente a ADI 2399, em que o governo do Estado do
Amazonas alegava que a legislação que concede incentivos fiscais à produção de
bens de informática, como a Lei nº 8.248/91, estaria suprimindo as condições de
competitividade dos empreendimentos instalados na ZFM.
Segundo voto do Ministro Alexandre de
Moraes, os bens de informática não se submetem aos incentivos regionais, mas
setorial. Assim não é possível “considerar
que os produtos e insumos submetidos ao regramento tributário e fiscal da ZFM
sejam imutáveis, sob pena de impedir o desenvolvimento e demais incentivos em
outras regiões do país, que igualmente merecem atenção”.
De fato, o art 151 da Constituição
Federal admite a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o
equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do
País. E atualmente todo o País precisa de estímulo para o crescimento
econômico. Em especial, é desejável o aumento no consumo possível mediante a
razoável utilização da função extrafiscal do IPI, que permite que o imposto
tenha suas alíquotas alteradas por ato do Poder Executivo com aplicação
imediata.
O desenvolvimento da ZFM é questionável
mesmo após a concessão de benefícios fiscais durante tantos anos. Não obstante,
o Ministro afirmou que, em respeito ao polo industrial daquela região, não
reduziu em 50% as alíquotas do IPI, limitando-se a 25%, mas que gradualmente
pretende que o Estado do Amazonas se beneficie principalmente do mercado de
créditos de carbono, no qual haverá em torno de R$ 100 bilhões em créditos. Tal
estimativa indica a necessidade de atualização dos Poderes Executivo e
Legislativo quanto à nova ordem econômica, na qual o IPI não tem mais
cabimento.
*Carolina Romanini Miguel é sócia da
área tributária do Cescon Barrieu Advogados
Sobre o Cescon Barrieu
O Cescon Barrieu é um dos principais escritórios de advocacia do Brasil, trabalhando de forma integrada em cinco escritórios no Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Brasília) e, também, em Toronto, Canadá. Seus advogados destacam-se pelo comprometimento com a defesa dos interesses de seus clientes e pela atuação em operações altamente sofisticadas e muitas vezes inéditas no mercado. O objetivo do escritório é ser sempre a primeira opção de seus clientes para suas questões jurídicas mais complexas e assuntos mais estratégicos. www.cesconbarrieu.com.br
Nenhum comentário