Governo edita medida provisória com marco legal da securitização
A
MP prevê a criação de duas novas formas de investimento: O Certificado de
Recebíveis (CR) e a Letra de Riscos de Seguros (LRS)
Daniel Maffessoni Passinato Diniz[1]
Luiz Paulo Dammski[2]
Em um cenário de escassez de crédito, em decorrência da crise
que o país vem enfrentando desde o início da pandemia, o Governo publicou, no
dia 15 de março de 2022, a Medida Provisória 1103/22.
A Medida tem a finalidade de estabelecer o tão aguardado
marco legal para o mercado de securitização de recebíveis - hoje disperso em
legislações específicas - e assim, ao ampliar a oferta de mecanismos de
mitigação de riscos, oferecer mais segurança jurídica e transparência a esse
mercado.
De acordo com o chefe da Assessoria Especial do Ministro da
Economia, Adolfo Sachsida, “com o Marco da Securitização, as empresas terão um
instrumento financeiro para ter acesso a mais crédito, mais segurança, mais
seguros com juros menores para as empresas e para o trabalhador brasileiro”.
Dentre as principais inovações propostas pela Medida, merece
destaque, em primeiro lugar, a inauguração, na legislação brasileira, de um
conceito único de Securitização. Foi fixada a seguinte tese: "são
consideradas operações de securitização a emissão e a colocação de valores
mobiliários junto a investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado
ao recebimento de recursos dos direitos creditórios que o lastreiam"
(art.17, parágrafo único).
Assim, ao criar um conceito único, a lei garante maior
segurança legislativa, proporcionando um alcance uniforme de novas
regulamentações a todos os tipos de securitização.
Securitização é uma operação financeira que transforma
dívidas em títulos de crédito. Trata-se, basicamente, da negociação entre
empresas - que possuem dívidas a receber de seus clientes e precisam de capital
para investir em seus projetos - e investidores, que aceitam o risco de
inadimplência. Desse modo, o ato de transformar as dívidas em títulos -
chamados de Certificados de Recebíveis - garante o pagamento antecipado do
débito aos credores.
Esta prática é extremamente comum e se presta à alavancagem
de recebíveis por parte de empresas que atuam em mercados com alto
endividamento e, principalmente, longo prazo para amortização. A partir da
comercialização dos títulos, portanto, abre-se margem para o recebimento
antecipado destas dívidas, permitindo, assim, o investimento de tais valores em
outras atividades relevantes à operação e ao crescimento da empresa que
originariamente detinha os créditos.
Por outro lado, a aquisição destes títulos por investidores
revela-se um negócio rentável, na medida em que viabiliza a realização de
aportes em títulos de dívidas que, em que pese envolvam riscos de
inadimplência, viabilizam a obtenção de margens de lucro superiores àquelas
praticadas em outros investimentos convencionais.
Ao fim e ao cabo, o resultado auferido pela empresa que
originariamente detinha o crédito é o recebimento adiantado da dívida, excluído
o risco de inadimplência. Para que este negócio se opere, no entanto, o credor
originário deve abrir mão de uma parte do crédito a que fazia jus – de modo a
viabilizar a obtenção de lucro pelo credor que vier a adquirir a dívida –,
representando, tal desoneração, uma espécie de seguro pago para a
obtenção da quitação da dívida.
Toda esta negociação se dá por intermédio de uma instituição
financeira, que transforma dívidas em títulos negociáveis no mercado de
capitais. Justamente por intermediar esta relação, de modo a viabilizar a securitização
da operação, a instituição financeira é classificada como uma securitizadora.
Destarte, conforme o artigo 17 do dispositivo em comento, os
Certificados de Recebíveis são títulos de crédito nominativos, emitidos de
forma escritural, de emissão exclusiva de companhia securitizadora, de livre
negociação, e constituem promessa de pagamento em dinheiro, preservada a
possibilidade de dação em pagamento, e título executivo extrajudicial. Isto
posto, salienta-se que a ideia central da MP é ampliar as possibilidades de
financiamento para diversos setores da economia.
A
Medida estabelece que o instrumento do Certificado de Recebíveis, vigente no
mercado imobiliário e do agronegócio, poderá ser emitido em qualquer setor
econômico que tenha pagamentos a receber. Entretanto, diferentemente do mercado
imobiliário e do agronegócio, os rendimentos dos demais Certificados de
Recebíveis não estarão isentos do imposto sobre renda incidente sobre os
rendimentos pagos a pessoas físicas. Portanto, aplicam-se aos Certificados de
Recebíveis as regras de tributação aplicáveis a títulos de renda fixa (Lei nº
11033, de 21 de dezembro de 2004).
O
instrumento dos Certificados de Recebíveis representa, ao propor estruturas
menos custosas e complexas, uma alternativa aos fundos de investimento em
direitos creditórios - FIDC. Não obstante, para a emissão do CR, a legislação
prevê a necessidade de uma empresa de securitização, justamente para evitar
possíveis fraudes.
Também
foi criada a possibilidade de a companhia securitizadora celebrar com
investidores promessa de subscrição e integralização de Certificados de
Recebíveis, de forma a receber recursos para a aquisição de direitos
creditórios que servirão de lastro para a sua emissão, conforme chamadas feitas
de acordo com o cronograma esperado para aquisição dos direitos creditórios.
(art. 19, § 6º). Tal possibilidade traz para o mundo
das securitizações uma forma de gestão de recursos muito mais eficiente.
Em seu artigo 24, a Medida esclarece que a companhia
securitizadora poderá instituir regime fiduciário sobre os direitos creditórios
e sobre os bens e direitos que sejam objeto de garantia pactuada em favor do
pagamento dos Certificados de Recebíveis ou de outros títulos e valores
mobiliários representativos de operações de securitização e, se houver, do
cumprimento de obrigações assumidas pelo cedente dos direitos creditórios (art.
24).
O regime fiduciário possibilita que os créditos afetados
sejam segregados do patrimônio comum da companhia, passando a integrar
patrimônio separado. Tal regime é um instrumento essencial para viabilizar a realização de várias operações
de securitização por uma mesma companhia securitizadora, com segregação de
risco de crédito entre elas, conferindo maior segurança jurídica ao investidor.
Além
do Certificado de Recebíveis, o Marco Legal também prevê a criação de outro
instrumento financeiro, a Letra de Risco de Seguros (LRS), dirigida ao setor de
seguros. A LRS é título de crédito nominativo, transferível e de livre
negociação, representativo de promessa de pagamento em dinheiro, vinculado a
riscos de seguros e resseguros.
O
modus operandi da LRS será similar àquele utilizado nos Certificados
Recebíveis. Mas com uma diferença: Os títulos deverão estar vinculados a uma
carteira de apólices de seguros e resseguros, cuja emissora será uma Sociedade
Seguradora de Propósito Específico (SSPE).
De
acordo com dispositivo em comento, SSPE é a sociedade seguradora que tem como
finalidade exclusiva realizar uma ou mais operações, independentes
patrimonialmente, de aceitação de riscos de seguros, previdência complementar,
saúde suplementar, resseguro ou retrocessão de uma ou mais contrapartes e seu
financiamento via emissão de LRS, instrumento de dívida vinculada a riscos de
seguros e resseguros (art. 2º).
A
partir da emissão de LRS’s pelas SSPE’s, pretende-se a pulverização dos riscos
relacionados à aquisição das dívidas em negociação, o que se dará a partir da
transferência dos riscos das diversas seguradoras ao mercado de capitais. Em síntese, a seguradora recebe um
prêmio pelo seguro e repassa parte desse prêmio para a SSPE, que emite a LRS
para os investidores. Os investidores receberão os prêmios, os juros e um
principal, mas o retorno depende da materialização ou não dos sinistros.
Assim, afasta-se a
ocorrência de riscos de grande magnitude decorrentes de eventos de grande
magnitude, como catástrofes climáticas, guerras e conflitos civis. Deste modo,
reduz-se a necessidade de inclusão de capital no balanço de seguradoras e
resseguradoras.
O
CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados) será o órgão competente para, além
das competências previstas no dispositivo, estabelecer as diretrizes e as
normas referentes aos contratos e à aceitação, pela SSPE, dos riscos de seguros
e resseguros, do seu financiamento via emissão de LRS e das condições da
emissão.
Vale
lembrar, ainda, que o investidor não estará livre de riscos. Ao
que dispõe o § 2º do artigo 11 da referida legislação, a LRS deve possuir
relação paritária com os riscos aceitos pela SSPE, os quais devem ser,
integralmente e no mesmo montante, cobertos pela LRS emitida. Isto é, a LRS
estará sujeita aos mesmos riscos da sociedade seguradora e os direitos dos
investidores titulares das LRS estão, em todos os momentos, subordinados às
obrigações decorrentes do contrato de cessão de riscos à SSPE. (art. 11, § 4º).
A MP está em vigor desde 16 de março de 2022. Sendo assim,
seu efeito é imediato, ou seja, todos os atos jurídicos praticados durante sua
vigência serão considerados perfeitos. Contudo, a Medida precisa ser convertida
em Lei no Congresso Nacional até 15 de maio de 2022 para que vigore
definitivamente.
Referências Bibliográficas:
Medida
provisória nº 1.103, de 15 de março de 2022.. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 15 mar.
2022. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Mpv/mpv1103.htm Acesso em: 22
mar. 2022.
Luiz Paulo Dammski
Daniel Passinato
[1] Advogado. Sócio do escritório Passinato &
Graebin – Sociedade de Advogados. Professor de M&A, Arbitragem e Direito
para Startups na FAE Business School.
[2] Advogado. Sócio do escritório Dammski &
Machado Advocacia. Mestre (UNIBRASIL) e Doutorando em Direito (UFPR).
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