Grau de Endividamento x Novos Horizontes de preços de matéria prima
*Por Manoel Pereira de Queiroz
Após muitos anos sem uma perspectiva
promissora, o setor sucroenergético brasileiro experimentou, a partir da safra
19/20, uma sequência de três bons anos, ao menos em termos de preço. Após um
crescimento real da ordem de 14% na safra 18/19, a dívida total do setor se
manteve estável em 19/20 e caiu cerca de 22% em 20/21. Os balanços da safra
21/22 estão saindo do forno, mas devem apresentar resultados bastante
heterogêneos entre as empresas, em função da quebra de safra de cada unidade
produtora e da política de hedge adotada por cada grupo econômico.
Em relação à quebra de safra, enquanto
os dados da Unica mostram uma queda de 14,69% (em ATR), temos observado
unidades com apenas 5%, enquanto outras chegam a apresentar perdas de até 30%.
Já no que diz respeito ao hedge, muitas empresas travaram, antecipadamente,
seus preços de açúcar em cerca de R$ 1.500,00 por tonelada, mas o preço chegou
a bater acima de R$ 2.000,00, beneficiando as empresas que não se haviam
protegido.
Nesse caso, diga-se, pura sorte de quem
não fez o que deveria ter sido feito. Isso tudo posto, considerando o aumento
de custos dos insumos, que já teve impactos nessa última safra, e o aumento da
Selic, a partir de meados de 2021, torna bastante desafiador estimarmos o nível
de dívida das empresas e do setor como um todo no atual momento, sem termos
acesso aos balanços fechados da safra.
Se já é difícil estabelecermos o
presente, pior ainda é traçarmos cenários futuros. Apenas para citar alguns
exemplos, cloreto de potássio saiu de 400 dólares por tonelada, no início de
2021, para cerca de 1.200 hoje; ureia, de 350 dólares para próximo de 900; e
superfosfato triplo, de 450 para 800 dólares a tonelada. Isso tudo sem contar o
preço do óleo diesel, que acumula mais de 55% de aumento desde o início da
última safra. Ou seja, o cenário será desafiador, embora a perspectiva seja de
preços firmes de açúcar e etanol.
Por outro lado, como tenho insistido há
vários anos, o setor é muito heterogêneo em vários aspectos. Apenas para se ter
uma ideia, em um levantamento com 162 unidades produtoras, o CTC encontrou
resultados de produtividade (safra 20/21) que vão de 16,19 toneladas de ATR por
hectare até 4,01. Do ponto de vista financeiro, alguns grupos possuem dívida
líquida menor que 50 reais por tonelada, enquanto outros superam os 250. Um
cenário desafiador, seja de clima, seja de preço ou de custo, afetará
diferentemente cada uma das usinas. Usando um exemplo do passado, após o
período de congelamento de preços da gasolina em meados da última década,
várias usinas se tornaram insolventes, algumas sendo inclusive forçadas a pedir
recuperação judicial, enquanto outras, além de passarem incólumes, aumentaram
sua moagem incorporando canavial delas. É, portanto, mais importante fazer
primeiro a lição de casa, independentemente da adversidade do momento.
Essa lição tem dois pilares
fundamentais: redução de custos e gestão financeira. Em um setor de commodities,
onde não se controla o preço, a redução de custos é a principal forma de se
aumentar ou preservar a geração de caixa. Considerando que cerca de 70% dos
custos de uma usina estão na área agrícola, é lá que se podem obter os melhores
ganhos, seja por aumento de produtividade, seja por diminuição de
desperdício.
Nesse campo, as notícias não podiam ser
melhores: é profícua a quantidade de soluções que vem sendo gerada nesse
sentido, desde técnicas de manejo, como a meiosi, ao uso de tecnologia, algumas
delas de adoção relativamente simples e barata, como uso de sistema para
monitoramento de frota, com redução impressionante do número de máquinas usadas
na operação, ou o uso de drones para controle biológico de pragas.
Já sob o aspecto financeiro, o ponto
mais importante é o controle da liquidez, que se faz tomando dívida em prazos
condizentes com o ciclo de investimentos da empresa e mantendo um forte colchão
de caixa. Em relação ao ciclo de investimentos, vale lembrar que o principal
CAPEX recorrente do setor é a renovação de canavial, que demora, no mínimo, 12
meses para ser colhido e permanece sendo colhido por cinco ou seis anos. Em
relação ao caixa, há sempre quem questione o custo de carregar uma posição
elevada, recebendo remuneração inferior ao que paga na dívida.
É verdade, carregar caixa realmente
custa caro, mas aumenta o poder de barganha e torna a empresa mais fácil de
administrar. Não à toa, empresas de primeiríssima linha não veem qualquer
incômodo em carregar um caixa expressivo. Veja alguns exemplos de companhias
abertas em 31 de dezembro no ano passado: Brasilagro, caixa de R$ 563 milhões,
equivalente a 1,13 vez sua dívida financeira de curto prazo; São Martinho,
caixa de R$ 1,5 bilhão, 2,23 vezes; Suzano, caixa de R$ 5,2 bilhões, 2,79
vezes.
Alguns fatos nos levam a crer que há
novamente um ambiente bastante propício para o setor sucroenergético nos
próximos anos: uma retomada forte da “onda” ESG no mundo, dando impulso a uma
possível nova onda de comercialização de créditos de carbono; a admissão por
parte de algumas montadoras de automóveis de que a solução para descarbonização
de alguns países, como o Brasil, passa pelo biocombustível e não somente pela
eletrificação plug-in; o potencial do biogás e do biometano, agregando valor à
produção; a possibilidade de viabilização de tecnologias disruptivas, como o
plantio de cana via “semente”. Aquelas empresas que, nos últimos três anos,
conseguiram reduzir seu endividamento, ajustar sua liquidez e adequar seu custo
de produção vão, com certeza, conseguir surfar nessa nova onda.
*Manoel Pereira de Queiroz é Superintendente de Agronegócio do Banco Alfa e membro do Conselho Superior do Agronegócio da FIESP
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