Representatividade no mercado de trabalho: é preciso falar menos e agir mais
*por Camila Miranda
Tenho tido algumas reflexões sobre o
papel da mulher negra no ambiente de trabalho. Não por acaso. No último dia 25
de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha,
pensei muito nos meus pares e toda a carga que temos carregado para chegar até
aqui - afinal, juntas, somamos 28% da população brasileira, segundo dados
divulgados pela Agência Brasil em 2020. Somos aproximadamente 59,5 milhões,
número maior do que a população total de muitos países. Esta comemoração, tão
importante para nós, mulheres negras, acompanha a celebração do Dia
Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.
Para quem não conhece, Tereza de
Benguela foi uma líder quilombola que viveu entre 1700 e 1770. Por mais de 20
anos, negros e indígenas viveram sob a proteção dela com estruturas para se
alimentar, vestir e defenderem o Quilombo contra o sistema da escravidão, mesmo
regime ao qual meu bisavô e meus ancestrais foram submetidos. Meu avô paterno
pertenceu à primeira geração de negros libertos da minha família. Hoje,
gostaria de celebrar não só as conquistas deles, mas as minhas e a da minha
família também.
Afinal, ao longo da minha carreira tive
que me provar muitas vezes mais do que outros para ocupar um cargo de
liderança, como o que exerço agora. Sendo mulher e negra me questiono o tempo
inteiro se sou boa o suficiente, porque a sociedade insiste em dizer que esse
não é o meu lugar – seja pela falta de representatividade e pelos mecanismos de
exclusão existentes, ou seja pela combinação de todos esses fatores. Os dados
podem falar um pouco mais sobre como a diversidade racial, tema tão discutido,
ainda não se traduziu em ações de inclusão no mercado.
De acordo com o estudo “Protagonismo das
mulheres nas empresas”, divulgado pela consultoria em marketing digital Triwi
em junho de 2022, entre as 21.435 empresas consultadas em todo o Brasil, 25,1%
delas não possuem nenhuma mulher negra em todo o seu quadro de funcionários e
45% contam com apenas 10% do quadro de funcionários composto por essa
população. Se formos olhar para os níveis executivos, a situação se mostra ainda
mais crítica.
Já o Instituto Ethos estudou 117 de 500
das maiores companhias do país e mostrou que apenas 1,6% de negras ocupavam o
cargo de gerência e das 117 empresas apenas duas possuíam mulheres negras no
nível executivo. Por que em um país com mais de 59 milhões de negras, tão
poucas conseguem chegar na liderança das organizações? A resposta é fácil,
porém não obvia para todos: a diversidade e a representatividade, por enquanto,
estão só no papel.
Dados da Associação Brasileira de
Startups (Abstartups) divulgados em novembro de 2021 revelaram que 96,8% das
startups ouvidas dizem apoiar a diversidade. A maioria, porém, não possui ações
para o tema, 60,7%. Em 31,2% delas não existem colaboradores
negros.
Como mudar esse quadro?
Muitas pesquisas apontam que um time
mais diverso é capaz de alcançar resultados melhores e mais relevantes para as
companhias. A McKinsey apontou que a diversidade de gênero em cargos altos
aumenta em 21% as chances de lucro acima da média; já em relação à diversidade
étnica e cultural, esse número salta para 33%.
A busca por uma resposta, ou, melhor,
por ações, não deveria partir só de mim e dos meus pares. Já tive, por exemplo,
que questionar processos seletivos onde me enviaram somente currículos de
pessoas brancas para avaliar. Qual tipo de filtro ou requisito é esse que, em
um país cuja maioria da população é negra, só brancos se candidatam e
conquistam vagas?
Combater o racismo estrutural e a
desigualdade de gênero no mundo corporativo não deveria ser uma causa só das
líderes negras, afinal, como dados anteriores mostram, ainda somos poucas no
topo. É preciso que toda a cadeia se movimente, principalmente os brancos, para
transformar o discurso em ações.
Antes que alguém cogite a necessidade de
grandes investimentos para criar programas específicos, a mudança pode – e deve
- começar com atitudes simples. Por exemplo, o incômodo é uma ferramenta
poderosa para começar a implementar mudanças: quem está em posição de liderança
pode questionar o RH ao se deparar com uma lista de candidatos que não inclua
negros em seus processos seletivos. Quando receber currículos que tenham,
priorize esses candidatos. Se não está em um cargo de liderança questione os
seus superiores sobre o tema. Essas ações não demandam esforço, apenas uma
mudança de perspectiva – e é preciso que todos se engajem efetivamente para que
essa mudança aconteça. Vamos todos mudar esse cenário.
*Camila Miranda é head of Marketing Solution Led na Adobe Experience Cloud
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