Depressão, ansiedade e insônia: uma via de mão única
*Por Laura Castro
Saúde mental é um tema
complexo no que diz respeito a diagnóstico e tratamento. Como tabu, porém, é um
assunto que cada vez mais vem sendo destrinchado e debatido, seja no ambiente
familiar, médico e até no corporativo. É de conhecimento geral que as
principais queixas e relatos são de ansiedade e depressão, além de que ambas
estão frequentemente ligadas, como se andassem juntas. A insônia, considerada
um distúrbio do sono que afeta o antes, durante e depois do dormir, talvez
possa ser pensada como um fio condutor costurando e amarrando sintomas ansiosos
e depressivos.
Vale ressaltar que
ansiedade e depressão são entidades clínicas diferentes, bem como seus
respectivos tratamentos. Há casos mais graves para quem a prescrição de
medicamentos é necessária, além da psicoterapia, mas há outros em que não,
penso que a maioria até, para quem a medicação “poderia” ser uma escolha. A
insônia, de modo semelhante, embora tenha a Terapia Cognitivo-Comportamental
para Insônia (TCC-i) como tratamento padrão-ouro e de primeira linha, assim
considerado pelas principais diretrizes médicas do mundo, com frequência é
tratada exclusivamente com medicamentos, apesar de terem maior risco e uma
menor eficácia demonstrada no médio e longo prazo.
Em pesquisa recente
realizada pela Vigilantes do Sono, na qual foi mapeada a saúde emocional de
cerca de 42 mil brasileiros, sendo eles colaboradores de 20 empresas de
diversos segmentos, vimos que 53% estavam de algum modo insatisfeitos com a
qualidade do sono, 48% apresentavam sinais de transtorno de ansiedade e 21% de
depressão. Quando olhamos para a frequência das queixas de ansiedade e
depressão entre os insatisfeitos com o sono, os valores saltaram para 59% e
30%, respectivamente, e entre os que preenchiam critérios de diagnóstico para
insônia clínica moderada a grave (11%), subiram ainda mais, para 79% e 52%,
sendo que 62% apresentavam tanto ansiedade como depressão.
Outra pesquisa que
reforça essa questão, a estreita e linear relação entre sintomas ansiosos,
depressivos e insônia, feita pelo IPEC a pedido da Pfizer Brasil e publicada no
segundo semestre de 2021, apontou que 42% dos entrevistados relataram
sentir tristeza, enquanto 38% queixavam-se de insônia e irritação, 36% de
angústia e 21% diziam sentir medo e ter crises de choro. Jovens na faixa
dos 18 aos 24 anos eram os mais afetados. Cerca de metade dos participantes da
pesquisa classificou a própria saúde mental como ruim ou muito ruim.
Em termos
teórico-clínicos, é esperado que transtornos de ansiedade, depressão e insônia
componham quadros altamente correlacionados, pois são sintomas de etiologia
muito semelhante, isto é, que têm em sua origem fontes psíquicas, sociais e
físicas muito comuns. Ansiedade e depressão podem causar insônia e vice-versa,
um sono de má qualidade e/ou insuficiente pode tanto desencadear quanto agravar
sintomas ansiosos e depressivos. Alguns sintomas comuns incluem irritabilidade,
falta de concentração, mudanças de humor, excesso de sonolência ao longo dia,
queixas de memória, entre outros.
Além disso, a evolução
e as consequências desses quadros também são muito semelhantes, particularmente
do ponto de vista dos gestores e agentes da saúde, e do universo corporativo.
Tratam-se de condições potencialmente modificáveis, que sobrecarregam e
encarecem o sistema de saúde, são fatores de risco para doenças altamente
debilitantes e, por isso, enfraquecem em larga escala a força de trabalho. Sem
contar o ponto de vista humano e espiritual, se posso assim dizer, da
singularidade de cada pessoa com sua história de sofrimento, potencialmente
modificável e, boas chances das vezes, evitável mesmo.
Entendemos que saúde
mental (e física) seja sinônimo de sono de qualidade, estão ligados direta e
indiretamente. São diversas as razões para a co-ocorrência de insônia,
depressão e ansiedade e é um fenômeno cada vez mais comum. Observamos
prevalências que batem recordes anualmente, particularmente entre indivíduos
jovens, e apesar dos recordes igualmente surpreendentes nas vendas de
hipnóticos, ansiolíticos e antidepressivos. Este cenário faz com que nos
questionemos sobre sua real utilidade. Ações preventivas e o cuidado precoce
são urgentes, porque o efeito da combinação de insônia, depressão e ansiedade
em jovens pode ser em especial catastrófico.
Uma das grandes
questões atuais para nós gestores e agentes da saúde é: como fazemos para tomar
as rédeas da transformação digital usando-a à favor da saúde, protegendo a
população dos seus potenciais, alguns comprovados, efeitos maléficos?
Felizmente vemos cada vez mais ações e iniciativas, públicas e privadas, com
foco em desenvolver e aprimorar continuamente soluções tecnológicas, em
especial negócios com o interesse em acessibilizar e melhorar o cuidado
primário em saúde. Hoje já existem programas terapêuticos na palma da mão, com
metodologias de eficácia cientificamente comprovadas e que prometem transformar
o tratamento em saúde mental. A tendência é que surjam cada vez mais
iniciativas que tratem essas condições de forma acessível e assertiva, a partir
de intervenções mais individualizadas, com mais segurança e mais custo-efetivas.
*Laura Castro,
sócia-fundadora e diretora de psicologia na Vigilantes do Sono. Psicóloga
da saúde e psicanalista (CRP: 06/83226). Formada em psicologia pela
Universidade Estadual de Londrina (2005) e com especialização em Curso
Fundamental de Freud à Lacan (2007), faz formações clínicas no Fórum do Campo
Lacaniano de São Paulo. Tem mestrado com ênfase em Medicina e Biologia do Sono
(2011) e doutorado em Cardiologia (2022), ambos pela Universidade Federal de
São Paulo, com período sanduíche no Dana-Farber Cancer Institute, da
Universidade de Harvard (2019-20). Atuou como pesquisadora, estatística e
gerente administrativa e de operações no Instituto do Sono em São Paulo e é
psicóloga do sono pela Associação Brasileira do Sono e Sociedade Brasileira de
Psicologia (2017), com mais de 15 anos de experiência.
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