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Mariana e Bhopal, como prever catástrofes ambientais? - Por Marcus da Matta*

Uma das primeiras catástrofes ambientais geradas pela atividade produtiva foi em 3 de dezembro de 1984, na planta da Union Carbide, em Bhopal, Índia, onde 40 toneladas de isocianato de metila, substância altamente tóxica para inalação, foram lançadas para a atmosfera, o que causou a morte direta de mais de 8 mil pessoas.

Esse acidente gerou a transformação mundial nas regulamentações do setor produtivo, principalmente nos países industrializados, com vistas na minimização do risco de acidentes catastróficos.

Nos Estados Unidos, o acidente na Índia foi motivo para implementação do Registro de Emissão e Transferência de Poluentes – RETP (internacionalmente PRTR, ou Toxic Release Inventory). A Agência Americana de Proteção Ambiental (US EPA) constatou que não sabia se, dentro do País, existia um potencial Bhopal, assim como percebeu a importância do direito de acesso à informação da população aos dados de emissões de poluentes.

No recente acidente do rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco, que devastou a Bacia do rio Doce, entre a histórica cidade de Mariana até o litoral do Espírito Santo, houve impactos iniciais físicos pelo soterramento das regiões de várzea e transferência de poluentes tóxicos e persistentes por toda a região. Isso teve efeito direto nos ecossistemas, na disponibilidade e qualidade de recursos hídricos, o que trouxe impactos duradouros às regiões, ainda não conhecidos pelo público.

Nesses 31 anos que separam o acidente em Bhopal, ao de Mariana e Bacia do rio Doce, preocupa a morosidade de resposta do Brasil frente a tantas evidências nos cenários internacionais, para sistematizar e disponibilizar dados à população, que possibilitem o conhecimento do risco químico toxicológico.

O Registro de Emissões e Transferências de Poluentes (RETP) é um termo genérico usado para descrever ou fazer referência a uma base de dados, disponível ao público em geral, com informações sobre as quantidades de substancias tóxicas emitidas por plantas industriais ou outras empresas, para os compartimentos ambientais ar, água e solo, ou transferidas como resíduos ou efluentes para terceiros, durante o ano.

Nos demais países do mundo, o RETP entrou para a agenda comum em 1992, com o Principio 10 ratificado na “Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento”, na Eco 92. Em seguida, no ano de 2000, tornou-se uma prioridade de ação dos governos, com a ratificação da Declaração da Bahia, no III Foro Intergovernamental de Segurança Química (FISQ).

Na União Europeia, as partes do Bloco assinaram, em 2003, a Convenção de Aahus, que tratou do direito de acesso à informação ambiental, participação e justiça e estabeleceu, por meio do Protocolo de Kiev, os requerimentos mínimos e harmonizados do PRTR Europeu, com a obrigação de implantação nos países membros, até 2009. Esse protocolo ganhou notória importância mundial e foi ratificado por 34 países, além da União Europeia, na declaração de Maastricht, em 2014. O Brasil ainda não a ratificou.

O RETP entrou para a agenda governamental nacional a partir do FISQ, implementado como janela única no Relatório Anual de Atividades Potencialmente Poluidoras (RAPP) do Ibama, a partir da Instrução Normativa 31, de 3 de dezembro de 2009, instituído pela Lei 10.165, de 27 de dezembro de 2000. Porém, para existir um RETP, os dados precisam ser de acesso público irrestrito, previsto para aprimoramento, a partir do Acordo de Cooperação 001/2015, celebrado entre Ibama e Ministério do Meio Ambiente (MMA), no Diário Oficial da União, de 26 de junho de 2015.

Com certeza, o RETP não é uma panaceia para a prevenção de acidentes catastróficos. Tivemos, recentemente, em agosto de 2015, um acidente causado pelo US EPA, em uma mina de ouro desativada desde 1923, no Colorado, Estados Unidos, quando se tentava mitigar o vazamento de metais pesados para a Bacia do Rio Colorado.

O RETP, como pode-se observar nos portais dos países que ratificaram o Protocolo de Kiev (www.prtr.net), permite identificar as vulnerabilidade do risco químico toxicológico, das emissões de poluentes lançados para o ar, água e solo, e medir o progresso na adoção de melhores práticas rumo ao “desenvolvimento sustentável”.

A informação pública permite a vigilância e entendimento dos riscos por parte de especialistas, a promoção e a conscientização de populações vulneráveis, o compartilhamento de dados entre órgãos governamentais e a comparação e competição entre empresas para adoção de melhores práticas. Sem o RETP, vivemos na era da escuridão.

O RETP, neste caso da atividade de mineração, quando prestada pela empresa com a devida acurácia, possibilita que pessoas, interessadas em desvendar os cenários de riscos toxicológicos, possam prever e entender quais e quanto dos 153 poluentes da lista RETP, principalmente os metais pesados, no caso apresentado, estavam sendo lançados na barragem. Como são substâncias que não degradam, a soma da massa lançada ao longo do tempo de operação representa o total de metais presentes na barragem, dado suficiente para estimar a exposição e quantificar os danos à saúde e ecossistema ao longo do tempo.

* Marcus da Matta é diretor executivo da Ecoadvisor Associados e Lisam System, engenheiro ambiental pela Escola Superior de Química Oswaldo Cruz. Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), especialista em Gestão Ambiental pela Faculdade de Saúde Pública da USP, autor do livro Plano de Segurança da Água na Visão de Especialistas e membro do Centro de Referência em Segurança da Água (CERSA).

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