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Paris, sempre Paris

*Julio Gavinho

Depois da batalha da França na segunda guerra mundial, quando Holanda e França capitularam sob a forças Alemães em maio de 40, a Cidade Luz foi imediatamente declarada cidade aberta pelo então governo francês. Paris foi então ocupada pela máquina de guerra Alemã em 1940, no dia 14 de junho. A ocupação e esta declaração de “pelo-amor-de-Deus-não-quebrem-nada” se mantiveram efetivas até meados de 1944 quando o pau comeu de novo, de dentro para fora, com maciço esforço da resistência francesa em expulsar os chucrutes, agora dentro dos limites da cidade.

Paris sempre foi a cidade que todos amamos, que todos respeitamos e que resistiu a pior guerra travada por serem humanos até ontem. Diferente de outras capitais e grandes cidades europeias, Paris tem resistido ao tempo, aos desastres naturais e as infinitas barbáries humanas, quase que incólume.

Acho que é por isso que umas dezenas de tiros, camuflados sob uma falsa bandeira religiosa ou política causaram tamanho estrago na autoestima do Francês. Não houve guerra declarada que permitisse uma nova declaração antecipada de paz: “Paris, cidade aberta. Somos a favor da boa vida, da discussão filosófica, do cultivo dos bons hábitos alimentares, da preservação da história, da agradável convivência entre todos. Por favor não quebre nada nem ninguém.”

Os tiros do Lido e do Abdo, uma declaração de guerra fantasma, afastaram os franco-muçulmanos das ruas e com isso, fortaleceram a falsa imagem de que estamos aqui na França, em guerra contra radicais muçulmanos. O ISIS e os outros, como Hizbollah, são entidades políticas – alguns inclusive com representação pública nos parlamentos de seus países.

A guerra fantasma (sem pátria, sem motivo, sem possível negociação) é contra as nações que, de uma forma ou de outra, limitam o acesso destes grupos ao mar, a petróleo e a um maior território. Não há, eu repito, não há fundamento para o ataque a população civil, turistas ou monumentos históricos, se não o de implantar o terror. Paris, por sua característica de ser a cidade de todos nós, acabou por ser a mais frágil, a que mais tem a perder com ataques e ameaças.

Para nós turistas não mudou muito além da contaminação deste medo parisiense. Somos agora expostos aos mesmos processos de segurança ou falta dela, tal qual em NYC ou Rio de Janeiro. Sem novidades. Precisamos voltar a Paris, ainda mais agora que restaurantes estrelados estão fazendo promoções de menus a preços de bistrô e vários museus e exposições estão com ingressos na faixa por dois dias da semana! Ninguém fala dos atentados ou do medo que tem deles, como se todos os franceses tivessem perdido um familiar nos covardes ataques. E perderam mesmo. E nós por sensibilidade e educação, tampouco falamos disso.

Porém é impossível evitar uma certa melancolia irônica na sensação que todos nós estrangeiros temos hoje em dia em Paris. Se por um lado a vigilância do aeroporto CDG é igual a de GRU ou JFK, é nas ruas que o boca-a-boca negativo se forma. Por exemplo: domingo a avenue du Champs Elysee está fechada ao trafego, porém todas as ruas de acesso tem uma barricada de policiais super armados (tipo Rio de Janeiro) vasculhando todas as bolsas, inclusive as Gucci, Hermès, etc. A tensão é forte e passa para lojistas, garçons, e hoteleiros.

Todos meio que evitam falar do assunto, mas as nove da noite meu hotel recolhe discretamente as cadeiras da calçada, e com isso, lá se vai meu charuto noturno. E se decido, por pura estupidez ficar e fumar em pé na porta do hotel, comigo fica o grande (do meu tamanho) e amabilíssimo Jean, o segurança Senegalês do Hotel.

Minha admiração por todas as pessoas faz com que seu disfarce caia por terra: ao me despedir, sorrio e digo “salaam aleikum” e ele, por entre um outro sorriso de paz responde “aleikum al salaam”. Este é o cara que protege meu charuto de um atentado covarde, nas cercanias do Arco do Triunfo. Irônico? Não para mim. Não acredito em atentados religiosos, ainda mais muçulmanos. Nem você né? Ou você tem 12 anos?

Um sol entre nuvens teima em forçar a entrada da luz enquanto um garoto canta Ed Sheeran no sovaco do Arco. Uma música que afirma que todos os idiomas e culturas são bem vindos em Paris. O sol é certamente atraído pela cidade que teima em refleti-lo, mas Paris, de tanto machucada em sua normalidade pelos atentados do ano passado, nos avisa e assusta em cada esquina, em cada grande avenida com sons ininterruptos de sirenes e vozes de ordens.

Você não saberá se trata-se apenas de um congestionamento ou algo mais grave. As vezes a música de artistas de ruas simplesmente para por um ou dois segundos. As vezes os milhares de oficiais da lei param, ouvem seus rádios por um ou dois segundos. E esta dúvida, meu amigo, é o que lhe causa terror. Sim, escolhi bem essa palavra: terror.

É nossa missão agora visitar Paris, mudar este sentimento no coração da cidade e de nossos primos franceses e encher aquela cidade de amor.

Sim, amor. Paris é, sempre foi e sempre será sinônimo de amor.



*Julio Gavinho é executivo da área de hotelaria com 30 anos de experiência, fundador da doispontozero Hotéis, criador da marca ZiiHotel, sócio e CEO da Orion Hoteis e Resorts .

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