As pressões do trabalho fora e dentro de casa pesam na decisão das mulheres para se manterem em cargos de liderança
A McKinsey & Company, empresa global
de consultoria em gestão, levantou informações, compilou dados e apresentou um
resultado surpreendente de performance. O estudo de 52 páginas aponta que,
dentro das corporações, mais de 50% das mulheres de nível sênior se colocam à
disposição para falar publicamente sobre igualdade de gênero e raça no
trabalho. Os homens são 40%. Entre os mentores e patrocinadores de uma ou mais
profissionais, 38% são mulheres. Os homens, 23%.
Muito além desta estatística, na
avaliação da própria McKinsey, vem a constatação de que, por estarem no topo
das empresas, as mulheres têm 50% mais probabilidade de desempenharem suas funções
com mais eficiência e gerar ainda mais lucro que os homens.
As executivas em posição de liderança,
também de acordo com a pesquisa, respondem significativamente pela cultura
organizacional da empresa e são mais propensas que os homens a abraçar políticas
de equidade de gênero, diversidade e inclusão.
Porém, em meio a estes resultados, tão
positivos e expressivos, há um panorama sombrio que encontra ecos na pandemia.
Neste horizonte nebuloso, é possível que conquistas relacionadas à equidade de
gênero, que levaram as mulheres a postos de liderança nos últimos cinco anos,
sejam perdidas.
Até que ponto existe uma visão
exacerbada e em que medida há realidade neste cenário de nuvens carregadas?
A pandemia, indubitavelmente,
transformou e ao mesmo tempo transtornou os ambientes de trabalho. Exaustão,
esgotamento e tantas outras queixas importantes adquiriram proporções extremas
em tempos de Covid-19. Neste redemoinho de adaptações e desafios, as executivas
de nível superior, especialmente as mães e as mulheres negras, foram as mais
impactadas negativamente.
O depoimento de uma alta executiva, a
seguir, tem muito a nos dizer:
“Sinto que estou falhando em tudo. Estou
falhando no trabalho. Estou falhando em meus deveres de mãe. Estou falhando de
todas as formas, porque acho que o que está sendo solicitado é quase impossível
de ser realizado. Como é possível continuar a ter o mesmo nível de desempenho
de quando não havia distrações? Preciso ajudar meus filhos com toda a
aprendizagem on-line; tenho que cuidar da alimentação de todos, da casa, e não
tenho ajuda. Estou fazendo isso tudo, mas ao mesmo tempo sinto que não estou
bem. Preocupo-me com o desempenho e sei que estou sendo julgada. Se eu me
afastar do computador e perder alguma ligação, vão se perguntar onde estou, se
sou comprometida com o trabalho. Sinto que preciso estar sempre ligada e pronta
para responder tudo instantaneamente. Não sei se vou aguentar.”
Embora haja pesquisas que demonstrem que
as mulheres encaram com mais determinação as tarefas domésticas do que os
homens, tendo três vezes mais probabilidade de assumirem o trabalho e os
cuidados com os filhos, empiricamente, para muitas profissionais, o “segundo
turno” realizado em casa tornou-se descomunal durante a pandemia.
Retomemos deste ponto o horizonte
corporativo e suas nuvens carregadas. As pressões da pandemia, os esforços para
conciliar o trabalho fora e dentro de casa têm levado as mulheres a mudarem de
carreira e, em situações extremas, a pedirem demissão.
A mesma pesquisa da McKinsey elenca os
fatores/sentimentos que indicam se uma profissional considera reduzir o ritmo
ou sair do trabalho:
- Percebe a falta de flexibilidade no
trabalho.
- Sente que precisa estar disponível
para trabalhar a qualquer hora, ou seja, estar “sempre ligada” nas demandas
corporativas.
- Encarrega-se mais ativamente do
trabalho doméstico devido à pandemia.
- Preocupa-se com o seu desempenho e
considera que está sendo julgada negativamente por causa do cuidado com a casa,
com os filhos e com as novas responsabilidades durante a pandemia.
- Sente-se desconfortável com os
desafios que está enfrentando diante de colegas de equipe ou gerentes.
- Surpreende-se por decisões que afetam
seu trabalho diário.
- Não se sente plena para o trabalho
corporativo.
Tão importante para uma mulher quanto
desempenhar bem o papel, tanto em casa como no ambiente corporativo, é
tratar-se sempre com gentileza.
Esta é uma prática de autocompaixão,
essencial para enfrentar um eventual fracasso com tranquilidade e leveza,
sabendo que sempre é possível tentar novamente e acertar.
Como reflexão, propomos a gestores e
lideranças que avaliem profundamente o que ocorre no universo corporativo,
especialmente neste período de pandemia. É fundamental buscar soluções que
beneficiem a todos. Quando uma mulher decide deixar o seu posto de trabalho,
todos os níveis corporativos precisam ter uma máxima em mente: há muito a
perder.
* Ligia Costa: Escritora, palestrante e pesquisadora.
Fundadora do Thank God it’s Today,
agência dedicada a desenvolvimento humano e promoção de Inteligência Emocional
e Mindfulness para equidade de gênero, diversidade e inclusão, é precursora no
Brasil do Movimento “Liderar com Amor Gera Lucros”. Graduada em Marketing pela
Universidade Mackenzie, com pós-graduação em Gestão Organizacional e Relações
Públicas pela ECA-USP. Também é certificada em Mindfulness pelo Centro de
Felicidade do Butão. Professora na Escola de Economia de São Paulo da Fundação
Getúlio Vargas (FGV/ESSP), tem no currículo certificação em Neurociências,
Inteligência Emocional e Mindfulness pelo instituto SIYLI, criado no Google, na
Califórnia, e reconhecido em mais de 50 países com programas e eventos
direcionados a dezenas de milhares de profissionais.
Com atuações destacadas na LucasArts, de
George Lucas, no Vale do Silício, Estados Unidos, trabalhou durante 18 anos
como executiva em multinacionais. Teve passagens por grandes empresas, como
Ogilvy Mather, Neogama BBH e Brasil Telecom. Dirigiu o marketing do Yahoo para
a América Latina, liderando equipes em oito países.
Em 2012, Ligia Costa foi eleita executiva em tecnologia destaque pelo jornal Valor Econômico.
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