A nova Lei de Improbidade Administrativa deve ser aplicada retroativamente?
Por José Miguel Garcia Medina*
Após três anos de tramitação, o projeto
de lei que estabelece novas regras para os processos por improbidade
administrativa foi à sanção e se tornou a Lei 14.230/2021, já em vigor. Com
inovação das normas materiais e processuais, o texto deve ter muito impacto na
gestão pública brasileira, já que altera significativamente o regime das
punições que podem ser aplicadas em casos de atos praticados por parte de
agentes públicos e daqueles que contratam com a Administração Pública.
Os atos de improbidade administrativa
são considerados aqueles que causam enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou
violação aos princípios da administração pública. A principal alteração decorrente da nova
Lei é que a improbidade, com a reforma, só pode ser caracterizada quando há o
dolo do responsável, ou seja, quando a intenção maliciosa é comprovada.
Dessa forma, se há apenas imprudência ou negligência, o ato não é mais
considerado de improbidade.
A nosso ver, não se trata de uma mera
reforma legislativa. Pode-se mesmo dizer que, de agora em diante, tem-se
uma nova Lei de
Improbidade Administrativa. Alteraram-se as bases fundantes da Lei
8.429/1992 e um novo
sistema de
responsabilização por atos que ferem a gestão pública.
A nova Lei se aplica retroativamente, a
atos praticados antes de sua aprovação?
A Lei reformada dispõe, expressa e
textualmente: “Aplicam-se ao sistema da improbidade, disciplinado nesta Lei, os
princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”. Isso
significa que princípios e garantias inerentes ao direito penal (ou às sanções
decorrentes da prática de ilícitos penais) acabam-se aplicando, também, às
sanções oriundas da prática de atos de improbidade administrativa e ao
procedimento judicial em que se discute sobre a aplicação de tais sanções.
Tratando-se de parte do direito sancionador, assim como a lei penal (art. 5.º, caput, XL, da Constituição
Federal), assim também a
legislação que prevê sanções por atos de improbidade não retroage, salvo para
beneficiar o réu.
Criticável ou não, o fato é que essa é a
opção legislativa, e, não havendo inconstitucionalidade, as regras já em vigor
devem ser observadas e aplicadas.
Mas tais disposições aplicam-se
inclusive a processos em curso, ou apenas a ações novas? Atingiriam decisões já
transitadas em julgado, para afastar condenações por atos que, de acordo com o
novo sistema, não haveriam de ser considerados desonestos?
Tratando-se, como efetivamente se trata,
de parte do direito sancionador, a resposta que se impõe à primeira das
questões formuladas é uma só: Tal como a lei penal (art. 5.º, caput, XL, da
Constituição Federal), assim também a legislação que prevê sanções por atos de
improbidade não retroage, salvo para beneficiar o réu.
Tome-se, por exemplo, os atos que, de
acordo com o novo sistema, não são considerados ímprobos. Aquilo que,
paradoxalmente, chamava-se de “improbidade culposa” (a expressão é
contraditória pois, se improbidade é ato praticado com desonestidade, não se
compreende “desonestidade culposa”), se não mais é considerado ato de
improbidade pela nova lei, não mais serão penalizados. Esse princípio deve ser
aplicado também aos atos praticados antes da vigência da Lei 14.230/2021, que
alterou a Lei 8.429/1992.
Assim, a nova tipologia normativa dos
atos de improbidade administrativa e de suas sanções se aplica aos atos
praticados antes de sua vigência, se para beneficiar o réu. A não ser que haja
alteração no modo como o tema vem sendo tratado na jurisprudência até aqui,
esse é o entendimento que haverá de prevalecer, daqui por diante, nos
tribunais.
* José Miguel Garcia Medina é sócio fundador do Escritório Medina Guimarães Advogados, professor na Universidade Paranaense e na UEM, e Doutor em Direito pela PUCSP.
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