Redução do IPI: conta a ser paga pelos estados mais carentes
Samuel Hanan*
Ao assinar o Decreto nº
11.047, no último dia 14 de abril, reduzindo a tabela do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI), o presidente Jair Bolsonaro fez o que havia prometido
não fazer. A medida do presidente Bolsonaro provavelmente é um afago ao
ministro da Economia Paulo Guedes, autor da ideia, e uma rasteira na receita
dos 19 estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, do Distrito Federal e de
2.709 municípios dessas regiões, cujas populações amargarão por muito tempo os
efeitos dessa decisão.
O governo vende a ideia
de que o decreto tem o objetivo de “reindustrializar” o Brasil, propiciando que
produtos industrializados cheguem mais baratos às prateleiras do varejo,
beneficiando os consumidores. É preciso, porém, dimensionar todos os efeitos da
medida. E, ao se fazer isso, fica evidente que o quadro não é tão bonito quanto
parece. Pelo contrário.
O decreto em questão
implica em renúncia fiscal do IPI em estimados R$ 19 bilhões por ano. Ocorre,
entretanto, que o IPI é uma receita compartilhada. De tudo o que a União
arrecada com esse imposto, 21,5% são destinados ao Fundo de Participação dos
Estados (FPE), e 22,75%, ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Outros
3% são destinados a fundos constitucionais. A conta é simples: com o decreto, a
União vai tirar R$ 3,47 bilhões/ano dos estados menos desenvolvidos. Já os
municípios das regiões citadas, terão R$ 2,08 bilhões a menos de receita a cada
ano.
A perda abrupta de
receita vai penalizar principalmente os estados e municípios das regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, fortemente dependentes das parcelas oriundas do rateio
das parcelas do FPE e do FPM, formados por 44,25% do IPI e Imposto de Renda. As
consequências serão desastrosas, sobretudo já neste ano porque a queda de
receita se dará no meio do exercício, comprometendo o Orçamento aprovado em
2021, quando foram estimadas a arrecadação e delimitadas as despesas para 2022.
O desequilíbrio nas
contas públicas será inevitável e terá forte impacto nos investimentos em
educação e saúde. Como se sabe, estados e municípios são obrigados a aplicar
nessas duas áreas pelo menos 25% e 12% (estados) e 15% (municípios),
respectivamente, de suas receitas advindas de impostos. Inevitável, portanto,
que dois dos setores de maior demanda da população terão menos recursos
disponíveis. Nos estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, as menos
desenvolvidas do país, a educação perderá R$ 868 milhões/ano e, na saúde, serão
R$ 417 milhões a menos anualmente. Nos municípios dessas mesmas regiões, a
queda da receita para educação será de R$ 522 milhões/ano e, na saúde, de R$
833 milhões/ano. Num país em que as pessoas ainda morrem nas filas dos
hospitais à espera de atendimento e onde faltam escolas e ensino de qualidade,
essa opção não encontra justificativa.
O decreto reduz o IPI
e, paradoxalmente, contribui para aumentar as desigualdades regionais, grave
problema nacional. Dos R$ 320 bilhões/ano que somam as renúncias fiscais da
União, cerca de 65,5% são aplicados nas regiões Sudeste e Sul. O desequilíbrio
é incontestável. O estado de São Paulo, que ocupa apenas 2,92% da área
territorial do país e onde vivem 21,2% da população brasileira, produz 31,6% do
Produto Interno Bruto (PIB). Por outro lado, 19 estados das regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, mais o Distrito Federal, participam com apenas 19,77%
do PIB, embora, somados, ocupem 82,4% do território nacional e concentrem 46%
da população brasileira.
Os governos brasileiros
há muito tempo fecham os olhos para essa distorção federativa, ignorando a
Constituição Federal que determina que as renúncias fiscais devem ser
concedidas com o propósito de reduzir as desigualdades regionais. O mais
sensato, portanto, seria o governo federal reduzir tributos não compartilhados,
ou seja, exclusivos da União, de modo a não prejudicar a receita dos demais
entes federativos. Uma boa alternativa seria o Cofins, contribuição cuja
arrecadação, aliás, é 5,5 vezes maior que a do IPI. Sendo contribuição, não
incide sobre ela a obrigação da União investir pelo menos 18% desta receita em
educação. Para fins de comparação, com a redução do IPI esse valor chegará a R$
1,8 bilhão/ano.
A opção pela redução do
IPI denota também a má vontade do governo para com a Zona Franca de Manaus. A
perda de competitividade das indústrias instaladas naquele polo é inexorável, o
que leva ao fundado temor de fechamento de fábricas, com todos os seus efeitos
econômicos e sociais, a começar pelo desemprego. Nesse contexto, existe um
indisfarçável contrassenso do governo ao iniciar a “reindustrialização” a
partir da desindustrialização do Polo Industrial Incentivado de Manaus, que
concentra a segunda maior produção de eletroeletrônicos e já se consolidou como
a maior produtor de veículos de duas rodas do país.
O decreto traz
insegurança jurídica e afasta investidores da Zona Franca, de importância
histórica para induzir o desenvolvimento na região amazônica e para reduzir a
dependência da importação de produtos estrangeiros, questão importante no
equilíbrio da balança comercial do país.
O governo federal
precisa urgente e definitivamente entender que a ZFM é a maior âncora ambiental
da região Norte e, como tal, tem muito a contribuir para o elevado nível de
preservação da floresta tropical que, por sua vez, garante o regime de chuvas
no Centro-Oeste, no Sudeste e no Sul, fundamental para a agricultura e para a
geração de energia hídrica.
Os números oficiais
mostram que os contribuintes do Amazonas pagaram R$ 44,8 bilhões em tributos em
2021, o correspondente a 1,56% do total da arrecadação tributária no país,
embora a participação do estado no PIB situe-se entre 1,42% e 1,44% do PIB
nacional. Isto é, a região paga muitos tributos e o problema não está na Zona
Franca.
O olhar míope do
governo levou à edição do decreto de redução do IPI, gerando uma conta que não
pode ser paga apenas por uma parte do país, justamente a mais carente. A medida
precisa ser revista com urgência para que não se aprofunde o desequilíbrio de
uma Federação – ainda distante de fazer jus ao nome -, condenando brasileiros à
condição de cidadãos de segunda classe simplesmente pela região em que nascem.
** Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor do livro “Brasil: um país à deriva”.
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